segunda-feira, 7 de março de 2011

Geração Narcísica e o Mundo Customizado







O sadismo anal – fase em que a criança começa a controlar seus esfincters e acredita que tudo é por ela, para ela e o mundo é seu playground – parece imperar hoje nas novas gerações ocidentais. A idéia, ou fantasia de que tudo é por ele e para ele converteu-se na máxima do consumidor contemporâneo, a ponto de ocorrer a situação em que ele não se acredita mais consumidor – ele quer ser visto como indivíduo, aquele indivíduo que determina os rumos do mercado. E então chovem empresas de pesquisas de tendências, futurólogos e intelectuais de botequim que “descobriram” que a tendência agora é a individualização e customização do consumo.
Só agora, cara pálida?
Há mais de trinta anos o pesquisador Jean Baudrillard explorava a máxima dos desejos narcisistas do consumidor contemporâneo, no escrito “O Sistema Sócio-Ideológico do Consumo[1]”, onde, por meio de metáforas como “A lógica do Papai Noel”, nos expunha os devaneios e pequenas vilanias que compreendem as motivações do consumidor contemporâneo. Segundo o autor, a lógica simbólica que esperamos do mercado, sobretudo de seu representante junto ao nosso cotidiano – a publicidade – é que por meio do cuidado com a produção material este mercado “cuide de nós”, se atenha em descobrir nossos desejos secretos, nos seduza numa dança dos produtos que venham ao encontro de nossos sonhos, nos faça sentir importantes o suficiente para que se gaste milhões em produzir campanhas publicitárias que não nos convencem, mas que estão ali porque nossos desejos importam.
Se de um lado Baudrillard defende a idéia de que “desejar alguma coisa subentende que todos a desejam”, numa lógica de fantasia de adesão e pertencimento a um grupo seleto de consumidores que desejam aquele produto porque são especiais e compartilham o mesmo gosto e hábitos de vida dos “escolhidos” (os mais ricos, celebridades, pessoas em evidência, formadores de opinião), existe também o outro lado da moeda – a fantasia da diferenciação – da qual o mesmo autor nos fala na obra “Contribuição Critica para a Economia Política do Signo”, onde nos fala da lógica da diferenciação – o quanto buscamos criar identidade no consumo pessoal para nos diferenciar de indivíduos e grupos aos quais nos julgamos (ou desejamos ser) superiores.
O paradoxo do consumo encerra essa polarização de desejos – o pertencer e o excluir – e enquanto durante os primeiros ciclos da produção industrial a lógica de sedução do consumidor se ateve ao primeiro (mesmo porque as condições de produção material não permitiam a criação de grande diversidade em linhas de produtos) na fase contemporânea de desenvolvimento tecnológico e industrial é a lógica do excluir (o Outro) pela produção de bens cada vez mais customizados que toma lugar na égide do consumo.
Fato é que essa lógica imperativa de individualização e customização não é nada nova, sua essência sempre esteve presente na fantasia do consumidor, mas dois vetores essenciais não a acompanhavam:
-       As pesquisas junto a consumidores não tinham inteligência suficiente para diagnosticar essa pulsão que estava presente desde o início do capitalismo industrial.
-       O mercado não tinha condição de produzir industrialmente bens seriais com grande diversidade de características.
Mas desde que Karl Marx escreveu sobre “O Fetiche da Mercadoria” há cem anos essa essência de individualização já estava presente pela própria lógica de atribuição de características humanizadas nos produtos.
Uma vez o comunicólogo Ciro Marcondes escreveu que “o grande sonho do artista é tornar a si próprio obra de arte por meio de seu trabalho”. Pois bem, acredito que o grande sonho do consumidor é “consumir a si próprio por meio do produto”.
Louis Dumont também falava sobre a realidade do individualização dos padrões e gostos na obra “O Individualismo” que retrata as mudanças ocorridas com a revolução capitalista do século XIX nos grupos sociais urbanos, que tornaram-se menos voltados `a comunidade, ao público e ao social e mais ao privado, o individual e o diferenciado. A atomização do indivíduo em meio `a massa na urbe acabou redesenhando formas de ser e de viver em sociedade e, conseqüentemente, padrões de gosto e consumo, principalmente na segunda metade do século XX.
Mas se pesquisadores de consumo tratam o fenômeno como algo das últimas décadas, pensem bem, pois começou, na verdade, com o movimento de ruptura e produção “do it yourself” da geração baby boom, que começou a produzir bens de consumo de fato customizados, que traduziam enquanto produção simbólica, a ética e estética dos grupos de estilo aos quais pertenciam. Quando a ruptura tornou-se o padrão, isto é, a eterna busca pela diferença tornou-se a corrente principal da produção e consumo na moderna sociedade ocidental, o grande mercado voltou sua atenção ao que Gilles Lipovetsky chama de “diferenciações marginais” ou seja, as pequenas diferenças nos produtos que não comprometem sua condição estrutural, mas geram um tom de permanente inovação e permitem que o ciclo de obsolescência programada dos produtos opere como sistema, a exemplo da produção automobilística, que a cada ano muda um espelho retrovisor, o som e o tecido dos assentos dos bancos do carro e o relança como um modelo diferente, ou a indústria do vestuário, que muda a cor ou a altura dos vestidos e os relança como uma nova moda.
Este processo em movimento por mais de um século, associando a atomização do indivíduo, desenvolvimento tecnológico e mudanças sociológicas na estrutura de instituições como a família, a religião e as comunidades de afinidades eletivas confluiu para a geração de comportamentos de consumo cuja égide é o individualismo narcísico. “Decifra-me ou devoro-te” ou melhor, “decifre meus sonhos mais narcísicos ou não te consumirei” pode ser tomada como a bandeira do consumidor contemporâneo, que cada vez mais perdido entre possibilidades de escolha, busca o produto que consiga compreender, interpretar e expressar a sua forma de ser e viver, pois teme perder-se enquanto indivíduo no solapamento da massa. Se a perda do poder das instituições (igreja, comunidades, nacionalidade, vizinhança) tirou-lhe a possibilidade de constituição de uma identidade forte pela identidade coletiva – o poder de pertencer a algo que o identifica e lhe confere status e poder – o que sobra é a possibilidade de construir uma identidade individual exótica que lhe permita a aquisição de auto-estima suficiente para poder conviver em sociedade, salvando-o da anomia e esta identidade se constitui, tal qual o pensamento de Martin-Barbero na obra “Consumidores e Cidadãos” pelo consumo de bens que carreguem certa ideologia, uma carga simbólica contida nos bens de consumo que personalize o indivíduo como um totem que ao ser usado lhe confere a força dos signos que compreende.
O consumo totêmico dos produtos é a nova institucionalização das ideologias sociais, ele compreende em seu significado as formas de ser e de viver que são “escolhidas” pelos indivíduos e grupos e vestidas tal qual o traje da moda.
E essa é a grande ironia deste processo – quanto mais o indivíduo enquanto consumidor tem a ilusão de individualismo e escolha, mais ele se converte em produto serial operado pelo grande mercado, pois sabemos enquanto pensadores e pesquisadores científicos que não há liberdade e não há escolha a partir do momento em que ela lhe é oferecida pelo mercado e, como parte de viver em sociedade é a restrição ao que esta oferece, a ilusão do poder cresce enquanto as tendências de consumo são introjetadas nos círculos sócio-demográficos com a ilusão de infinitas possibilidades de escolha.
Enquanto para alguns o consumidor deixa de ser consumidor para ser visto enquanto indivíduo pelo mercado, penso que é enquanto consumidor que ele constitui sua identidade e busca o sonho da individualização, tal qual o pensamento de Martín-Barbero, sua cidadania se dá pelas escolhas de consumo que o identificam e caracterizam. O consumo é o moderno sistema totêmico sociocultural de fabricação sociocultural do indivíduo, tal qual nas sociedades primitivas ele compartimentaliza os indivíduos em segmentos ideológicos, ações sociais e políticas e redesenha o mapa sócio-ideológico dos grupos sociais contemporâneos, ele permite que se constituam identidades “escamadas”, como expõe o pensador Stuart Ewen em “All Consuming Images: The Politics of Style in Contemporary Culture”, poliidentidades que o indivíduo compõe ao “escolher” diferentes formas de ser e viver pelo comportamento de consumo, como exemplo, adeptos de esportes radicais em geral começam a construir seu novo traço identitário consumindo a indumentária do esporte e então compram os cursos que ensinam estes esportes e então os equipamentos para a prática e com isso sentem-se parte de um universo de aventura que passa a ser uma nova casca identitária, colocada, por exemplo, sobre a de um “easy rider” que este se tornou ao comprar uma moto Harley Davidson e sair pela estrada com um grupo de cinqüentões que, a partir do consumo do veiculo, assumiu uma nova identidade adequada `a necessidade de mudança de vida e retomada de uma fantasia juvenil.
O poeta Fernando Pessoa já dizia: “Ao que os deuses conferem, nada tem liberdade”. E isso é viver em sociedade, seja ela primitiva ou complexa, como a nossa. E a fantasia da escolha é a ilusão do controle, que habita as mentes dos homens desde os primórdios da humanidade. O consumidor acredita que controla o mercado pois este está realmente mais aberto sedento por informações sobre o que e como pensam os consumidores pois em meio ao aumento exponencial de oferta de produtos, a lógica da grande fantasia do indivíduo que consome que é “tornar-se objeto de consumo”, consumindo a si mesmo pelos produtos que compra pode, neste momento tornar-se concreta pelo desenvolvimento tecnológico e constatação das agencia de publicidade de que, tal qual o individualismo narcísico no consumo leva o consumidor a buscar consumir a si mesmo, o que ele quer ver nas campanhas publicitárias é o seu desejo descoberto e convertido em fábula e não histórias mirabolantes de criadores mais narcisistas ainda.
Mas, no fim das contas, o imperativo antropológico aqui ainda é o da fantasia totêmica e ilusão do poder, como há 35.000 anos atrás, quando o homem recriava-se como obra de arte primitiva por meio da ornamentação corporal consumindo totemicamente o valores eleitos entre os quais seu grupo se estribava. Ele já era consumidor, a diferença é que a moeda era outra e não se determinava pela lógica do capital. Mas já era pelo consumo que ele se “fabricava socialmente e enquanto indivíduo dentro do grupo, acreditando que os símbolos que ele consumia em sua ornamentação, que os diferenciava dos demais o fazia superior.


[1] O Sistema dos Objetos

3 comentários:

Anônimo disse...

Olá interessante blogue , adorei mesmo muito, penso que poderiamos fcar amigos de blog :) lol!
Tirando as piadas chamo-me Dixon, e à semelhança de ti publico webpages se bem que o tema do meu espaço é muito distinto de este....
Eu estudo páginas de poker sobre poker gratis sem teres de por o teu capital......
Gostei muito o que vi escrito mais uma vez
Voltarei!:)
Ps:Peço desculpa pelo meu portugues ruim

Anônimo disse...

Olá é a 2ª vez que li a tua página e reflecti tanto!Espectacular Projecto!
Cumps

Ivo Quartiroli disse...

Nice to discover your blog, I could not understand all but somehow I was helped by a couple of trips in Brazil few years ago where I learned some portoguese. Your writing is interesting and I wonder if you have anything written in english or spanish, which I know better.