segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Entrevista que conferi `a revista Elle sobre A Nova Mulher de 50 anos, baseada em pesquisa antropológica sobre o tema


As mulheres com mais de 50 anos estão realizadas e cheias de si

Quem diria! As cinquentonas de hoje são mulherões: com tudo em cima e superdesejadas

Publicado em 04/10/2013
Bell Kranz


Kim Basinger, Demi Moore e Michelle Pfeiffer (em cima); Maitê Proença, Christiane Torloni e Sharon Stone (em baixo)
Foto: Getty Images; AgNews
Garotas de 20, 30 anos - as lindas incluídas - morram de inveja (a boa, por favor, do tipo que impulsiona para a frente) das mulheres que passaram dos 50. Elas já não dispõem do atraente frescor, da poção mágica que é o viço da pele, os seios já não possuem a mesma densidade, os cabelos não são os mesmos, enfim, o físico de modo geral perdeu a integridade de outrora. Mas elas estão arrasando! Felizes "dans sa peau", como dizem os franceses, e megadesejadas.

Como assim? É isso o que ELLE se perguntou diante de tantas evidências em desfile na mídia e nas ruas. Entre celebridades de fora, a lista é generosíssima: Sharon Stone, Susan Sarandon, Kim Basinger, Inès de La Fressange, Madonna, Carine Roitfeld. No Brasil, Maitê Proença, Luiza Brunet, Consuelo Blocker... Elas ocupam, com segurança, liberdade e leveza, espaço em todos os territórios - na profissão, na vida social, no papel de viajantes, cidadãs, amigas, namoradas de homens mais jovens ou mais velhos ou sem namorados, mas sempre com as rédeas de sua vida firmes nas mãos. Nos Estados Unidos, as beldades bem posicionadas na casa dos fifties ganharam até um título: "swifties" (neologismo para solteiras com mais de 50).

É um fenômeno, considerando que até há pouco tempo a mulher, quando entrava na menopausa, não contava nem para o marido porque era vergonhoso. O fim da capacidade de procriar significava o fim do seu sentido de ser. Nem o consolo de uma terapia restava a essa infeliz, segundo o próprio pai da psicanálise. Freud, conta a psiquiatra Iraci Galias, acreditava que nessa idade a mulher era incapaz de viver uma reconstrução psíquica e não tinha mais nem flexibilidade física!

Para entender o fenômeno da cinquentona sortuda de hoje, é preciso voltar 10 mil anos atrás, como mostra estudo da cientista social e diretora do Núcleo Xamã, centro voltado ao consumo aplicado ao mercado, Valéria Brandini. Mas dá para ser ligeiro nessa "viagem" e, no final, concluir o inimaginável: a maternidade, essa dádiva reservada à mulher, foi também razão do seu histórico infortúnio, encarnando um ser inferior ao homem.


DEZ MIL ANOS ATRÁS

Na pré-história, enquanto os povos nômades se alimentavam com o que viam pela frente (com a mulher, portanto, ainda a léguas de distância de uma boca de fogão), tudo parecia tranquilo para ela. Bastou o homem se fixar na terra e começar a desenvolver a agricultura para o destino da mulher ser traçado. Ela passa a ser aprisionada em casa e com tudo o que existe dentro. "A fantasia da mulher sexo frágil e sinônimo único de mãe foi criado ali", afirma Valéria. Isso porque, nos tempos de vida nômade, imperava certa promiscuidade nas relações, em que a mulher engravidava e não se tinha noção de quem. Quando surgiram a moradia fixa e a divisão social do trabalho para organizar a agricultura, os filhos se transformaram na força de trabalho. Assim era preciso ter muito claro quem era pai de quem. As mulheres, como geradoras de filhos, viraram moeda de troca! Os pais entregavam suas filhas a homens de outros grupos, que as engravidavam, engravidavam e engravidavam. Quanto mais filhos, mais força de trabalho, mais poder. Em consequência, a mulher ficou à margem do conhecimento das novas habilidades técnicas, dos avanços da agricultura, do aprendizado. Dali em diante, ela passou a viver grávida ou amamentando. "Fazia sentido, portanto, a mulher não poder trabalhar", diz Valéria.

As primeiras doutrinas religiosas monoteístas deram aquela força à ideologia da época, 5 mil anos atrás, consolidando a ideia da mulher não só como um ser menor mas também nefasto. A associação com a mãe natureza, pela capacidade feminina de gerar a vida, incluía aspectos negativos dos fenômenos naturais, como ser imprevisível, incontrolável e até letal.

Onde acontece a virada? Quando a mulher começa a se apropriar da força de trabalho, por exemplo. Mais do que ganhar autonomia financeira, ela adquire o que Valéria chama de "autonomia existencial". Outro marco: a chegada da pílula nos anos 1960, que devolve a ela, após 10 mil anos, o controle da natalidade - agora, o homem tem que pedir para ter um filho. O direito ao voto e a possibilidade do desquite também foram fundamentais para o upgrade no status feminino. Experimentar essas mudanças é o que propiciou à mulher chegar hoje às cinco décadas de vida como esse mulherão invejável. "Quem vive a transformação se transforma", diz Valéria.


A HORA DO CLIQUE

"Cinquenta anos é um marco para a mulher. Ocorre o que eu chamo de clique", diz Mirian Goldenberg, antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que traça o perfil dessa mulher com base numa ampla pesquisa feita com brasileiros de 18 a 90 anos, em que abordou corpo, envelhecimento e felicidade, que será lançada este mês no livro A Bela Velhice. O estudo mostra que aos 40 a mulher faz um investimento enorme para retardar o envelhecimento - e haja protetor solar, cremes e malhação. Aos 50, o medo de envelhecer ainda aparece, mas com ele começa um discurso que se fortalece aos 60 e 70 anos: o discurso da libertação! É o momento em que ela, que passou a vida cuidando dos outros - casa, filhos, marido e pais -, sempre voltada para fora, preocupada com o que as outras pessoas pensam, vira o jogo e coloca o foco em si, na sua vontade. A medicina, a tecnologia e o avanço de vários campos são grandes aliados. "O fato de estar fisicamente bem, com a segurança que vem com a idade e a experiência faz da mulher de 50 hoje um furacão", diz a blogueira Consuelo Blocker, que está nos 49, mas há dois anos diz que tem 50 porque não faz diferença. "Já arredondei na minha cabeça."

Essas mulheres se cuidam, têm medo de engordar e, pasme!, não fazem plástica, mostra o estudo de Mirian, mas pequenas intervenções, o que chamam de correção. "As que mexem muito no rosto representam uma minoria, são as que aparecem na mídia." Jerry Hall, em entrevista a ELLE, disse que foge à regra: "Sou contra a plástica. A mulher deve se permitir envelhecer". Existem os tipos extremos: a que disfarça os 50 e se traveste de teen e a que desiste da vaidade e se mostra mais velha do que é. "Ambas estão aprisionadas. A primeira no modelo que o mercado define como bonito, o da Lolita, e a outra no modelo antigo, que ela conhece", diz Iraci. A mulher que está no meio "diz que pela primeira vez se sente livre e passa a ser ela mesma", conta Mirian. É o momento que Carl Jung chama de "segunda metade da vida", afirma Iraci, quando "se dá o processo psicológico mais importante, da busca da identidade profunda de quem se é e de poder se assumir mais livremente"


http://mdemulher.abril.com.br/bem-estar/reportagem/viver-bem/mulheres-mais-50-anos-estao-realizadas-cheias-si-756180.shtml

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Etnografar, o estranhamento e o fascínio na antropologia do consumo


O encantamento do estranhamento. A reação básica do contato com a alteridade que o antropólogo tem, tal qual os nativos do video, cada vez que adentramos, com nossos pés, mãos, bloco de notas e coração, uma nova cultura. E não precisa ser um aborígene para ser o Outro, esse Outro pode ser uma enfermeira me mostrando o cuidado com um paciente terminal, um designer de jogos me mostrando a ludicidade em meio `a tecnologia, ou um alto executivo me mostrando a lógica maluca por meio da qual desenvolve a tomada de decisões numa multinacional.
Me identifico com esse olhar de criança assustada e encantada com a pele diferente do documentarista, que ele quer tocar, com as mãos, o cognitivo e o coração pra entender, pra fazer sentido. Cada pequeno estranhamento de algo que me parecia familiar, como a relação das mulheres do sertão nordestino com o perfume, e os códigos e significados sociais que estão por trás de um simples comportamento de toillete, 
a relação dos homens brasileiros com o carro como marcador social essencial e o que representa o aspiracional, a projeção e o comportamento de consumo moldado desde a infância, com o gosto dos meninos por carrinhos, me tornam o aborígene fascinado com o espelho. Estou vendo a minha cultura, aquela do homem branco, que acho que conheço, como uma miragem, um portal desconhecido por onde estranho e vejo pela perspectiva do estrangeiro, aquilo que os olhos acomodados do senso comum não enxergam. Cada novo texto de uma nova cultura etnografada, um universo que me recebe como criança conhecendo o mundo. 
E conhecendo o Outro, descubro e redescubro a mim mesma a cada dia.




quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Entrevista: Millenials brasileiros e papel da tecnologia na vida dos jovens

Valéria Brandini fala do papel da tecnologia na vida dos jovens




A inquietação diante do humano tem movido as pesquisas da cientista social paulista Valéria Brandini. Aqui, ela radiografa a juventude da era digital.

Texto: Raphaela de Campos Mello | Ilustração: Gustavo Duarte | Foto: Mari Winter


Gustavo Duarte
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A garota de 10 anos, aluna de um colégio de freiras no interior de São Paulo e única, dentre todas, apaixonada por heavy metal, hoje está no segundo pós-doutorado. O desejo de escrever uma tese sobre o rock and roll levou a cientista social e comunicóloga paulista Valéria Brandini a se debruçar sobre a antropologia da juventude. “Há 20 anos, comecei a analisar a cultura material e os significados dela – a música, a estética, os rituais – e entendi que todas essas manifestações de significado se realizam por meio do consumo do simbólico”, diz ela, que atesta: “As pessoas são o que consomem, da água à poesia, desde os primórdios”. Da paixão pelo rock nasceu a vontade de estudar a relação entre moda e cultura urbana. Não teve outro jeito. Valéria atravessou as últimas décadas pulando de interesse em interesse, inquietação em inquietação. “Tenho uma curiosidade quase doentia. O que para a maioria das pessoas é sacrificante, como ler um livro de 600 páginas, para mim é fonte de grande prazer”, afirma. Atualmente, ela é professora do curso de pós-graduação de gestão em moda na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e cofundadora do Núcleo Xamã, na capital paulista, escritório especializado em ciência aplicada ao mercado. Por meio de pesquisas apoiadas em campos diversos, a exemplo de antropologia, sociologia, semiótica, psicanálise e neurociência cognitiva, ela e sua equipe destrincham, com o alcance digno de uma ressonância magnética, os fenômenos sociais contemporâneos, entre eles o avanço da tecnologia e seu impacto nas relações humanas, além do comportamento dos jovens. Prepare-se, então, para conhecermais de perto os millennials, termo usado para designar a geração que nasceu e cresceu em plena era virtual e, por isso, se recusa a respirar outro ar que não o da liberdade de expressão.
Como você define o termo millennials?
Trata-se de uma classificação americana criada para designar aqueles que nasceram entre os anos 1980 e 2000. Desaprovo esse tipo de rótulo direcionado a toda uma geração, pois a sociedade é cada vez mais heterogênea. Em linhas gerais, esse guarda-chuva abarca o pessoal que cresceu em meio às tecnologias e à internet e se tornou nativo do virtual. Ao mesmo tempo, esses jovens são tidos como multitarefa, mas essa característica não é exclusividade deles. A sociedade como um todo, mesmo os mais velhos, são multitarefa hoje em dia. Mais que individualistas, os millennials são muito autocentrados. Isso é compreensível, porque no mundo virtual você pode ser o que quiser – porém só na sua cabeça e naquele espaço, e não no mundo real. Por exemplo: o indivíduo tem ideias e gosta de escrever, então cria um blog. Isso não quer dizer, no entanto, que ele seja um escritor. A internet não passa pelas legitimações do mundo real. Ela se sustenta de projeções, dando a ilusão do “sou”. Daí vem a ideia da hipercapacidade. Só que ser capaz de fazer várias coisas não significa ser bom em tudo o que faz. Poucas são as pessoas que conseguem tal façanha.
Que dificuldades essa moçada encontra no cotidiano por achar que tudo funciona na velocidade da banda larga?
O imediatismo dessa geração é um problema. Como o virtual incentiva o autocentrismo e gera a ilusão de superioridade, ao passar pelas provas da vida o sujeito desaba. Os millennials são os filhos tiranos de 10, 15 anos atrás, criados por pais permissivos ao extremo. Falta a eles resiliência. Em vez de absorver o choque e prosseguir, eles desistem ou deprimem. E falam: “Isto não é bom o suficiente para mim”. Como professora universitária, conheço diversos alunos que já estão na sexta, sétima tentativa de faculdade. Não conseguem terminar nenhuma. O jovem entra em engenharia e logo no primeiro ano quer projetar, rejeitando as matérias de cálculo, parte fundamental do processo. Esse pessoal não foi criado para carregar o piano, e sim para ser feliz. Isso é uma ilusão. Você deve ser criado para enfrentar as barreiras da vida e para lutar pela felicidade. Afinal, o melhor da felicidade é sua conquista. É verdade também que a vida se tornou muito mais simples em variados aspectos por causa da tecnologia, e nós acabamos nos habituando a essas facilidades.
O que esperar de um futuro que será construído pela geração dos millennials?
Eles pertencem às classes média e média alta. Entretanto, os demais jovens são, em certa medida, influenciados por esse grupo, que tem tempo e dinheiro para colocar conteúdo nas mídias. Até onde vai essa influência? Existe uma grande distorção em relação a isso. Os millennials são influenciadores até certo ponto, porque os valores de base, provenientes da família, da escola e dos amigos, são mais fortes que a influência dos millennials no sentido de determinar comportamentos e modificar valores na sociedade.
Em que medida o uso da tecnologia tem afetado a condição emocional das pessoas, não só dos jovens?
Ao contrário do que pensamos, a tecnologia não é desumanizadora. Ela nasceu como forma de o humano se relacionar com o mundo e com a natureza. O problema está no excesso. Ao se usar pedra para quebrar coco, a tecnologia já está sendo empregada. Nesse sentido, todas as tecnologias alteraram a relação das pessoas com a realidade, desde o fogo até a internet. No entanto, o uso extremo dos smartphones fez com que essa caixinha se tornasse uma prótese do ser humano integral, onde o “eu” fica armazenado e por meio da qual se manifesta no mundo. Sem ela, surge a sensação física e neurológica de ser meio “eu”, principalmente entre os jovens. É uma sensação de perda do momento presente, que começou a gerar doenças emocionais, como o comportamento obsessivo-compulsivo em relação à tecnologia. Essa perturbação toma de assalto tanto um jovem que deixa de prestar atenção à conversa dos amigos numa festa porque está mais preocupado em registrar aquele momento quanto um executivo que se desespera por não conseguir acessar seu smartphone numa reunião.
Já é ultrapassado dividir a realidade entre real e virtual?
Essa separação ainda existe, só que, dependendo do subgrupo, pode ser mais forte ou mais fraca. O que chamo de realidade interseccional é uma forma de estar no mundo que se tornou a intersecção entre essas duas realidades, onde o ser humano vive hoje. Ou seja, o que ele vivencia no mundo virtual afeta o real e vice-versa. Aí ocorre a “avatarização” do real, que é quando alguém passa a acreditar na persona que inventa como sua projeção na internet. E mais: tende a tornar aquilo vivenciável no real. Muitas vezes, a pessoa produz um problema para si mesma. “O que você conhece de fato sobre esse ou aquele assunto?”, alguém pode indagar. Até a questão da imagem física pode acarretar complicações à medida que a pessoa acredita ser necessário se manter igual à foto, em todos os sentidos.
Como a supremacia da tecnologia tem afetado a relação entre pais e filhos e a hierarquia nas empresas?
Os pais costumam aceitar o comportamento imediatista e autocentrado dos millennials porque sentem culpa. “Fui eu que criei assim”, pensam. Além disso, eles envelheceram, mas mantiveram a juventude dentro de si. Logo, são muito mais condescendentes e flexíveis. O problema maior está no mundo corporativo. O jovem entra no mercado com a ideia de que é para lá de especial e, quando recebe uma negativa, deprime, não produz ou se retira de campo. Na última década, muita gente despontou precocemente, sobretudo no ramo da tecnologia. Só que, se tomarmos como base a história da humanidade, os gênios sempre foram a exceção.
Está havendo, especialmente entre os jovens, uma confusão entre os significados de informação e conhecimento?
Informação e conhecimento são coisas distintas. A primeira é um dado; o segundo vem da inteligência interpretando o dado e dos processos de aprendizado, que geram uma evolução pessoal e transformam o indivíduo. A informação pura e simples não gera transformação. O conhecimento, sim. A ilusão do mundo virtual é a de que, como você tem acesso a tudo, acumula conhecimento. Não é verdade. Para ter conhecimento, é preciso dispor do tempo de maturação. Muita leitura, capacidade de análise. A informação pela informação passa. Já o conhecimento fica porque se torna uma parte do que você é. Ele muda seu olhar.
Como lidar com os adolescentes que estão sem propósito de vida, surfando o dia todo na rede e nada mais?
Como os millennials são pouco resilientes, eles sentem medo, e o medo faz com que, muitas vezes, permaneçam na casa dos pais e deixem de superar obstáculos. Observo muitos casos de depressão devido a esse quadro. Há um trocadilho aqui: no virtual, a rede segura. Na vida, você cai e se espatifa no chão. O bom é que o ser humano tem uma plasticidade imensa. Por mais que a adolescência perdure, em algum momento essa juventude vai formar seus processos adaptativos e encontrará seu caminho enquanto povo, sociedade.
O que de melhor nós podemos aprender com os jovens da atualidade?
Que as maneiras de ser e de viver, bem como as aspirações e os objetivos, podem ser diversos. Eles são extremamente hedonistas. Se de um lado isso atrapalha, de outro faz com que se inventem novas profissões, tornando aquilo que gostam de fazer em meio de vida. Desse modo, diferentes tipos de produção profissional podem ser valorizados, dignos, e conferir honradez à pessoa, e não apenas estar no topo, como minha geração acreditava. O respeito que esses jovens têm pela diversidade é outro aspecto muito importante. Eles lutam pelo diferente de si. Não carregam preconceitos. Logo, nos ensinam a sermos humanos melhores. Também querem que se fale a real. Não toleram ser iludidos pela mídia, pela política. Vão atrás da verdade porque querem transparência em tudo, justamente por terem mais acesso à informação.
Mari Winter
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Qual a relação entre os millennials e a onda de manifestações que se espalhou recentemente pelo país?
Tudo isso que estamos testemunhando é influência dos millennials – eles não estão apenas por trás das manifestações. Rebelar-se é do humano e, sobretudo, expressão da força social do jovem. Os protestos sob a influência dos millennials são visivelmente amigáveis. É uma geração que, até pela criação menos repressora dos pais, preza valores humanistas. Por outro lado, está havendo uma tomada de consciência da força do coletivo. Podemos listar alguns fatores: a transparência instituída pela internet, a crise econômica, o desencanto dos jovens, a necessidade de mudanças urgentes. Mas agora eles têm de dar um segundo passo a fim de desenvolver uma visão política e torná-la instrumento de poder deles. Não há como haver política sem liderança, sem representação. As redes sociais são o meio, porém é preciso haver conteúdo. Ganhar as ruas é fantástico, no entanto precisamos das lideranças que irão representar a massa e apresentar reivindicações junto ao poder público.

Millenials Brasileiros - Uma Perspectiva Antropológica - Entrevista completa




terça-feira, 22 de janeiro de 2013

GERAÇÃO CABEÇA-BAIXA E A REALIDADE INTERSECCIONAL

GERAÇÃO CABEÇA-BAIXA E A REALIDADE INTERSECCIONAL

A relação com a tecnologia na vida contemporânea, diferentemente das gerações passadas, quando podia-se optar por assistir ou não a TV, não nos deixa a escolha de ‘não integrar-se `a vida digital’ (desde o sistema bancário de emite holerits, até a escolha do medico no seu plano de saúde, é agora feito exclusivamente pela internet, o que significa que quem não está na rede se encontra excluído de dimensões sociais essenciais na vida de qualquer um), as formas de relacionar-se com esta tecnologia e com as pessoas, que são em última instancia, a rede, são inúmeras, tal qual as relações na vida real.
Mas uma delas é comum a praticamente todos os jovens, que mesmo quando resistem a ela, estão vivendo-a, pois se posicionam em relação `a mesma – A Vivência da Realidade Interseccional. Num bar, numa reunião de negócios, nas aulas da faculdade, ou mesmo na intimidade do casal, o smartphone parece uma extensão do corpo do usuário ao qual ele precisa recorrer em intervalos controlados de tempo. A sensação de ‘perda’ do momento presente quando a pessoa não se conecta `a rede para ‘saber o que está acontecendo’, seja checando emails, entrando no Facebook para ver quem comentou seu post ou quem está online, no Twitter para saber quem está onde fazendo o que, no Instagram para ver quem está no lugar mais legal, com quem, fotografando o que, entre muitas outras possibilidades que diferem de acordo com o interesse e valores do usuário, é a sensação de exclusão, seqüestro da realidade e falta de controle sobre ela.
Um jovem pode passar a semana planejando ir a uma festa descolada onde vai encontrar sua paquera e curtir com seus amigos, mas tão logo ele chega na festa, você o encontra, em diversos momentos – e entre alguns jovens, na maior parte dos momentos – de cabeça baixa, olhando para um artefato tecnológico na palma de sua mão que o poupa da sensação de falta de controle e vivência totalizadora, real, do momento presente. Ele está no lugar que queria, com as pessoas que queria, curtindo a realidade palpável que queria, mas, a noção de vivência da REALIDADE, de experienciar momento presente , apenas se torna fato para ele, quando o real offline e o ‘real online’ estão ao seu alcance, constituindo o conceito que denomino REALIDADE INTERSECCIONAL’, uma pára-realidade, constituída a partir das necessidades e percepções geradas pela era da internet, que constitui o ‘real de fato’ para as gerações atuais e influenciam gerações anteriores.
A REALIDADE INTERSECCIONAL é como uma nova forma de estar e vivenciar o mundo, a vida, as pessoas. Ela não é uma escolha, ela é um sistema que se engendra por um processo. Ela se torna parte da vida das pessoas sem que elas percebam. Ela é criticada pela maior parte das pessoas, mas as mesmas não a abandonam, no máximo, tentam controlar seus impulsos de buscar a totalidade da vivência interseccional acessando a internet para amenizar a sensação de obsolescência – algo está acontecendo ‘na rede’ e eu nnao estou sabendo, logo, eu não sou parte disso, eu me sinto excluído, eu preciso me integrar para que a sensação de falta de controle acabe.
Jean Baudrillard[2] falava da TV como uma atividade de conluio entre os telespectadores que, ao assistir ao jornal no horário nobre, se sentiam parte de um todo e vivendo um processo de integração e experiência do social. A internet, em especial as redes são este conluio exponencial que se torna vivência essencial na sociedade contemporânea. Consumimos a rede como consumimos a cultura, a arte, a musica, o ar, a comida, entendendo o consumo como um processo de fruição por meio do qual nos relacionamos com as pessoas, nos identificamos, nos diferenciamos e nos integramos por meio de nossas escolhas de bens tangíveis e intangíveis.
Mas sobretudo, na rede, consumimos aquilo que nos é mais precioso: a nós mesmos e `a pessoas. Nos tornamos o mais notável produto exposto em perfis a ser percebido, analisado, escolhido ou não e assim também nos relacionamos com outrem. Note-se que, como uma cientista do consumo, não concebo o tema consumo como um acordo frio e mecanicista que trona pessoas coisas sem humanidade, mas um processo onde coisas são instrumentos de relações humanas entre pessoas e representam o mais humano e relacional, constituído a partir de emoções, imaginário valores permeiam estas relações. Consumimos na redes avatares que se constituem como totens dos valores mais profundos que constituem a visão de mundo, a perspectiva sobre a realidade e orientam o comportamento na vida social. A rede são as pessoas `as quais nos conectamos num sistema de trocas simbólicas, tal qual entre os povos primitivos, num sistema de signos, significados, mitos, ritos e comportamentos que representam ordens sociais, cultura e engendram formas de ser e agir no real offline.
Theodor Adorno escreveu que “A Industria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores”[3]. A indústria digital é a nova industria cultural, é o meio como mensagem de MacLuhan, que integra pela mensagem que não necessita de palavras, do engajamento pelo código cultural manifesto – não é mais ‘o que se diz’, mas os diferentes grupos culturais, integrados na web, se definem e diferenciam por ‘como se diz’.