terça-feira, 6 de novembro de 2007

POR UMA ETNOGRAFIA DO CONSUMO DE LUXO


Antropologia Do Consumo aplicada ao mercado

RESUMO


Este artigo sugere uma reflexão teórica acerca da etnografia como método para pesquisas de consumo e desenvolvimento de estratégias de produção de bens. O universo do consumo, e em especial, do consumo de moda, representa hoje um sistema de produção de significações (como quer Jean Baudrillard) e comportamentos gerados pela racionalidade econômica (como vemos em Pierre Bourdieu) que são evidenciados por meio do mercado como processo ritual. Assim, a etnografia do consumo, e a antropologia empresarial podem ser vistas como estratégia para muitas companias.
 ABSTRACT

This article suggests a theoretical reflection about the ethnography as a method for consumption researches and development of strategies of goods production. The universe of consumption, and specially, the fashion consumption, represents nowadays a system of significations (as said by Jean Baudrillard) and behavior (as we see in Pierre Bourdieu) generated by the economic rationality that is evidentiated by market and fashion as a ritual process. So, ethnography of consumption, and anthropology of business can be seen strategy for business.

INTRODUÇÃO

No artigo “’Ética e antropologia, (1990)”, Sérgio Paulo Rouanet atenta para a necessidade se converter, também em reflexão antropológica, a própria cultura do antropólogo, o universo das grandes metrópoles, da sociedade de consumo, da vivência urbana capitalista e não reconhecer, como legítimo, apenas os universos culturais periféricos das ditas sociedades complexas que compreendem favelas, marginalidade e minorias. (1]

Este argumento é recorrente ao fato de que os estudos destas minorias no contexto urbano acabam por tornar o objeto de estudo da antropologia das sociedades complexas o mesmo objeto característico da antropologia clássica. A resistência ainda encontrada entre pesquisadores do campo da antropologia, em converter classes e grupos sociais outros que não os marginais em objeto de reflexão antropológica limita as possibilidades da antropologia em desenvolver o que é o objetivo desta ciência, o estudo da diferença. Pois esta resistência implica a dificuldade ainda enfrentada em converter o “nós” em “outro”, isto é, transformar a cultura vivenciada pelo antropólogo em objeto de reflexão antropológica, o que também remete a questões ideológicas e a dificuldade de se escapar de um padrão marxista de definição de objeto de estudo. Com isso a antropologia perde a possibilidade de estudar as determinantes fundamentais da cosmologia das ditas sociedades complexas, ou seja, as relações de poder, instituições, rituais, valores e mitos que compreendem a grande rede de significados da metrópole capitalista contemporânea, como o deslocamento progressivo das relações de poder do local para o global (empresas multinacionais) a desterritorialização de elementos culturais e a ressignificação destes no processo de globalização de informações, o que rearticula estruturas de pensamento na coletividade urbana e a lógica do consumo como verdadeira “instituição” por meio da qual uns e outros se posicionam hierarquicamente e se identificam ou se diferenciam entre grupos e classes sociais.
A questão desloca-se, sobretudo, à necessidade de se desenvolver os processos de investigação e reflexão antropológica junto aos grupos, instituições e estruturas sociais hegemônicos que vivem no sistema da racionalidade econômica, pois estes produzem os elementos culturais que definem muito do que se observa como a cultura contemporânea globalizada e sua rearticulação entre os diversos grupos culturais urbanos hoje.

Em “Cultura e razão Prática” (1979) Marshall Sahlins defende a idéia de que a sociedade capitalista ocidental, orientada pela racionalidade econômica, como que desprovida das dimensões culturais e do simbólico constitui na verdade, por si mesma, uma forma específica de ordem cultural, pois o universo da produção e do consumo constituem, por meio de suas estruturas econômicas e sociais, produção simbólica desta sociedade. Vemos, portanto, que não apenas as sociedades ditas “exóticas” são providas de sistemas de significação que orientam sua dinâmica social, mas a dita racionalização econômica engendra sistemas de valores que passam a ordenar a sociabilidade e tornam-se representáveis por meio das atividades “racionalizantes” de produção e consumo de bens, produtos, que hoje em dia, são muito menos funcionais e muito mais representações simbólicas de estratos sociais e relações verticais de poder, servindo ao antropólogo como bons para pensar a sociedade em que circulam.
Se a economia “rege” a estrutura e dinâmicas sociais destes grupos, porque não convertê-la em reflexão antropológica em suas esferas mais representativas — a produção e consumo que, como práticas verdadeiramente rituais das sociedades complexas representam parte fundamental do sistema de representações na sociedade capitalista? Podemos, portanto, argumentar, que uma antropologia das sociedades complexas deva voltar seus esforços de investigação às estruturas deerminantes destas sociedades e não à periferia das mesmas, de forma que uma etnografia das relações capitalistas de produção e consumo constitui uma verdadeira etnografia das sociedades complexas, pois investiga não os “resultados” do sistema capitalista entre as minorias, mas a forma como este sistema se constitui e se reproduz em suas esferas principais, pesquisando a forma como sua dinâmica racionalizante orienta as determinantes culturais e sistemas simbólicos destas sociedades.

Enfatizamos aqui a dimensão simbólica do consumo como prática de representação das estruturas de significação da sociedade capitalista. Consumir torna-se, sob o ponto de vista antropológico, uma verdadeira prática ritual que representa a organização social e o universo simbólico destas sociedades, pois, conforme Jean Baudrillard, “o consumo é um modo ativo de relação (não apenas com os objetos, mas com a coletividade e com o mundo), um modo de atividade sistemática e de resposta global no que se funda todo o nosso sistema cultural... O consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma atividade de manipulação sistemática de signos.” (BAUDRILLARD, 1997:206). Este modo ativo de relação de que nos fala Baudrillard sugere que o consumo é o deslocamento das relações interpessoais para a representação das mesmas por meio dos objetos. O indivíduo não consome a materialidade do produto, (razão pela qual o aspecto funcional dos produtos de grandes marcas é menos importante que seu valor de representação), mas os significados que, através do produto geram um conluio social em torno de valores compartilhados pela sociedade capitalista.

Marcas da cultura contemporânea.
Entre diversas escolhas metodológicas utilizadas por institutos de pesquisa como IBOPE e Datafolha para se delimitar classes sociais em pesquisas sociológicas, demográficas e de mercado, uma das formas atualmente recorrentes, não diz respeito à delimitação de classe por renda, mas por hábitos de consumo. Isto porque, muitas vezes, os hábitos de consumo conseguem expressar, de forma mais pontual do que a renda de um indivíduo, a qual grupo social este pertence, quais são os seus valores, as suas práticas cotidianas, sua forma de ver o mundo e, por que não dizer, elementos de sua identidade sociocultural.

Na moderna sociedade industrial, a identidade sociocultural de um indivíduo torna-se muitas vezes, conforme o antropólogo Massimo Cannevacci, “poliidentidade”. O autor defende a idéia de que somos hoje, multivíduos, dado à pluralidade de grupos aos quais pertencemos e traços culturais pluriidentitários que absorvemos, os quais, como elementos culturais desterritorializados, nos lançam no cerne da modernidade-mundo, vivendo a fluidez cultural que consumimos e que nos consome à velocidade da internet. Os hábitos de consumo “nos definem” pois, tal qual a idéia de Levi-Strauss de que os alimentos para certas civilizações indígenas não são bons apenas para comer, mas para pensar, também no consumo, não desfrutamos apenas da funcionalidade dos objetos obtida no sistema de trocas, mas pensamos seu significado, absorvendo a essência de valores que o objeto de consumo nos provem.
Temos a emergência do que Jean Baudrillard caracteriza como sendo a substituição da relação humana, viva e conflituosa, por uma relação personalizada nos objetos. Segundo o autor, no estágio de produção artesanal, os objetos refletem as necessidades na sua contingência, na sua singularidade, então o sistema de produção se adapta ao sistema das necessidades. Na era industrial, os objetos fabricados adquirem uma coerência que vem da ordem técnica e das estruturas econômicas. O sistema das necessidades torna-se menos coerente que o sistema dos objetos e este impõe coerência e adquire poder de modelar uma civilização. (BAUDRILLARD, 1997: 197)
É pela lógica estatutária do consumo que nos posicionamos em relação a uns e outros nas sociedades complexas. Em “Para uma crítica da economia política do signo”, Baudrillard chega a caracterizar o consumo como uma instituição social coercitiva que determina os comportamentos antes mesmo de ser refletida pela consciência dos autores sociais. Assim, o consumo deixa de ser uma gratificação individual generalizada para tornar-se um destino social que afeta certos grupos por oposição a outros. Pensemos que o consumo nos dias atuais serve menos ao usufruto da funcionalidade dos produtos e mais a uma ideologia embasada na lógica da diferenciação entre classes e grupos sociais. Consumimos como ritual de participação (mesmo que puramente psicológica) a grupos que desejamos pertencer e para nos diferenciar de outros, aos quais não desejamos ser ou parecer associados.
Em meio a esta lógica sociocultural do da racionalidade econômica, as marcas aparecem como verdadeiros totens das sociedades complexas, os quais o indivíduo quer que o represente, pois sua significação social lhe atribui as características que deseja ter. A verdadeira funcionalidade social da marca é a de representar posições hierárquicas entre os atores sociais na pós-modernidade. Tal qual o Kula, entre os trombiandeses estudados por Malinowski, onde o sistema de troca simbólico de produtos serve como arcabouço para o sistema social de valores e estatuto entre os aborígenes, o consumo das marcas, embora não em sistema de troca, representa, em menores proporções, os códigos de valores e hierarquia de certas classes sociais.
A própria lógica de criação de uma marca reflete a incorporação de valores e aspirações de determinados grupos e classes sociais, mais que isso, certas marcas como a italiana Diesel, buscam recriar em seu apelo de consumo a cosmologia da juventude de classes mais altas mundo afora, tendo em seu discurso, a apresentação do Planeta Diesel, tal qual uma terra dos sonhos, como a Cítara que o pintor Watteau concebeu para os mais belos e mais ricos na sociedade do século XIX na Europa.

A griffe italiana de propriedade de Renzo Rosso, já colocara em suas propagandas um velório com a ótica do defunto sobre seus familiares como tema de campanha e sugeriu em outdoors pela Europa que a nova moda é beber urina, para, posteriormente reagir à catástrofe do 11 de setembro nos Estados Unidos com um conceito de paz, fantasia e harmonia, que mais parecia o universo dos contos de fada infantis.“Bem vindo ao planeta Diesel” é a saudação das telefonistas para quem liga para a central da empresa em Molvena, na Itália. A idéia da marca é promover uma filosofia global, conforme diz Renzo Rosso: “Nós da Diesel vemos o mundo como uma macrocultura única sem fronteiras.” A proposta da marca compreende, em muitos anúncios, o planeta Terra visto de cima, com o jargão “O Mundo segundo a Diesel”, onde fronteiras nacionais desaparecem e a diversidade cultural aflora. Segundo Ted Polhemus, o grande trunfo da Diesel é conceber, enquanto marca, um mundo sem “nós” e o “eles”, mas como um “nós” gigantesco que engloba a todos, perdendo-se a noção de alteridade.

A Diesel acaba por expressar o grande discurso das marcas no novo milênio, de que a idéia de globalização passa a ser expressa por uma moda sem fronteiras onde determinantes territoriais e étnicas perdem espaço em prol da desterritorialização das grifes e a identidade sem fronteiras que é sua promessa de consumo. A idéia de marca como um avatar da globalização da cultura de consumo é a chave para o posicionamento das grifes no mundo capitalista contemporâneo, pois reflete a idéia de que a identidade da marca transcenda fronteiras ideológicas, territoriais e culturais e encontre consumidores que se identifiquem com sua proposta mundo afora, além de buscar criar, por si só, o simulacro de uma subcultura com base na incorporação de signos, valores e ideologias apreciados pelos grupos juvenis mais abastados em vários países.

Concorrendo pelo mesmo público alvo, porém com estratégias diferentes, a marca italiana Gucci, possui uma história diferente da Diesel, mas atualmente luta pelo mesmo nicho de mercado — O jovem consumidor de marcas de luxo. Fundada em 1906, como uma pequena loja de bolsas de couro para cavalheiros. Na primeira metade do século XX, Gucci tornou-se uma marca forte em produtos de couro, especialmente bolsas para damas.Nos últimos 50 anos, Gucci tornou-se sinônimo de status, expandindo a produção para o pret à porter e mais recentemente a moda jovem. Mas foi nos últimos dez anos que a marca, agora assinada pelo designer americano Tom Ford posicionou-se como grife avant gard para jovens consumidores de classe alta que buscam, não apenas a irreverência e a unicidade característicos da grife Diesel, mas um apelo de consumo baseado na tradicionalidade renovada pela atribuição de juventude. O consumidor Gucci é um jovem rebelde, mas que não abre mão de mostrar que é bem nascido.
Podemos pensar, por este prisma, que as marcas constituem um verdadeiro sistema totêmico de identificação e diferenciação de estratos, grupos sociais, que se posicionam em relação a uns e outros na esfera social por meio das marcas que consomem e ostentam.

O consumo como processo ritual – A sociedade consome a si mesma.


Embora não concordemos em todos os aspectos com o pensamento de Jean Baudrillard acerca da moderna sociedade de consumo, dado o caráter excessivamente fantasioso, misógino e preconceituoso de muitas de suas inferências, a conceituação do autor acerca do estatuto do objeto e do consumo como mediação das relações na sociedade atual nos parece muito coerente para pensarmos o objeto de estudo em questão — as marcas sob o ponto de vista de sua estrutura de significação na sociedade capitalista.
A idéia de que o que é consumido nunca são os objetos, os produtos, as marcas, mas a relação entre indivíduos que passa a ser representada pela dinâmica de consumo que “mitifica” produtos e “ritualiza” relações de poder e hierarquias sociais, é o ponto chave da teoria de Baudrillard que aqui utilizamos para reflexão antropológica acerca das marcas. Conforme o autor: “Assim como as necessidades, os sentimentos, a cultura, o saber, todas as forças próprias do homem acham-se integradas como mercadoria na ordem de produção e se materializam em forças produtivas para serem vendidas, hoje em dia todos os desejos, os projetos, as exigências, todas as paixões e todas as relações abstratizam-se (e materializam-se) em signos e em objetos para serem compradas e consumidas.” (1997: 207.)

É nessa “personalização dos objetos” que as marcas reproduzem por meio do valor atribuído de consumo aos produtos as estruturas de significação das classes consumidoras hegemônicas. Ao consumir produtos de uma grife a classe social “consome-se a si mesma”, tal qual um ritual onde os valores consensualmente aceitos pelo grupo são materializados na marca e compartilhados na compra e no uso dos produtos. A partir desta lógica do consumo como processo ritual que podemos pensar as marcas e produtos de consumo como ícones de representação de uma dada ordem social, no caso das grifes de luxo, da ordem economicamente dominante. A “satisfação das necessidades” que aparece como corolário do consumo nos leva a pensar portanto, que estas necessidades não dizem respeito à função do produto, mas ao posicionamento que o consumo de certas marcas atribui ao indivíduo na hierarquia social por meio da ordem econômica.Conforme Gilberto Velho, em Projeto e Metamorfose “Cultura é um conceito que só existe a partir da constatação da diferença entre nós e os outros. Implica confirmação da existência de modos distintos de construção social da realidade com a produção de padrões, normas que contrastam sociedades particulares no tempo e espaço” (VELHO, 2003: 63)

Podemos então pensar, que a racionalidade econômica engendra a constituição de uma cultura de consumo que reproduz em suas estruturas de significação a ordenação interna da economia capitalista e as relações entre o capital simbólico dos produtos representadas nas formas de consumo é tão determinante quanto as relações de parentesco entre as sociedades ditas primitivas ou exóticas. Caracterizando-se o entendimento de uma cultura em seus próprios termos e interpretando a realidade observada com base no relativismo cultural, porque não pensar, num sentido mais estrito, também numa cultura do consumo, orientada a partir da ordenação social gerada pelo universo simbólico das marcas e produtos? O Planeta Diesel, chave da apresentação da marca mencionada, busca através da ilusão publicitária reunir em torno de uma campanha, os elementos culturais e códigos de valores que são compartilhados pelos grupos sociais que consomem seus produtos. A cultura do luxo vivenciada na ordem social das classes que consomem estas marcas (grifes de luxo) acaba por ter os referenciais simbólicos das estruturas de significado representadas nos atributos de valor de troca dos produtos — A lógica da diferenciação incutida no consumo de que nos fala Baudrillard (1995) acaba por ser utilizada no mercado do luxo como forma de movimentar a estrutura econômica.

Conclusão - Da antropologia como estratégia para posicionamento de marcas e desenvolvimento de produtos.

Dolce & Gabbana
Analisando o consumo como um processo ritual e as marcas como verdadeiros avatares na contemporaneidade, não é por acaso que no universo corporativo cada vez mais antropólogos têm sido convocados para ajudar as empresas a entender o consumidor — o conhecimento antropológico tem sido a ferramenta mais inovadora e eficaz para se gerar estratégias na conquista e fidelização de consumidores.Grandes marcas como Coca-Cola, Unilever e L’Oréal já contam com esses profissionais no seu time de marqueteiros. “Em sua maioria, as pesquisas feitas até hoje são muito esquematizadas e simplificadas. É preciso aprofundar mais o conhecimento sobre o consumidor. Só assim as empresas conseguirão se posicionar melhor”, defende Gisela Taschner, socióloga e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV).* Junto com os gestores de marca, esses profissionais estão fazendo as empresas encararem o mercado com outros olhos. Uma das alternativas mais comuns, por exemplo, é segmentar os consumidores conforme o seu estilo de vida e não sua idade, renda, sexo etc — estratégia onde o conhecimento antropológico é a chave.
A metodologia de pesquisa utilizada para estas empresas é a mesma utilizada por antropólogos desde que Bronislaw Malinowski viveu entre os aborígines das ilhas Trombiand— a chamada Observação Participante, utilizada por 9 entre 10 etnógrafos. Este método pode minimizar no campo de pesquisas para orientadas para empresas e grandes corporações, o efeito de distorção ou parcialidade geralmente observado em pesquisas de focus group.No caso da Colcci, a Observação Participante foi utilizada como instrumento de pesquisa junto ao grupo consumidor escolhido, de forma que, “os observadores” inseriram-se nos grupos compartilhando sua vivência cotidiana, seus hábitos de trabalho, estudo e lazer, literalmente “andando nos sapatos do outro”, de forma a compreender a totalidade da cultura daquele grupo assim como suas peculiaridades e características principais, as quais só poderiam ser compreendidas num estudo de imersão cultural e descrição densa. O resultado superou a expectativa. Em um ano a Colcci se tornou a grande coqueluche entre o segmento de consumidores desejado e o re-posicionamento da marca desenvolvido pelo método antropológico provou sua eficiência para além das expectativas. Detalhe: toda a mudança foi levada a cabo sem uma única pesquisa de mercado.Atualmente, antropólogos especializados em culturas de consumo e tendências empresariais, utilizam para desenvolvimento e posicionamento de marcas, ao invés de pesquisas de monitoramento de trends (ou trendset como é conhecido) pesquisas de mindset, (onde o que é analisado são as diferentes situações em momentos distintos da vida, do próprio dia-a-dia), assim, analisa-se o contexto e sua influência nas escolhas que feitas pelo consumidor. A pesquisa etnográfica aplicada neste caso, visa com os resultados, desenvolver estratégias de comunicação publicitária e posicionamento de marc para as empresas.
No universo globalizado os estilos de vida são ‘fluidos’, portanto um mesmo consumidor pode participar de diferentes e, por vezes ‘antagônicos’ grupos, culturas, atividades ao mesmo tempo, dependendo do momento de trabalho, lazer ou educação em sua vida cotidiana. Uma mesma pessoa pode ter diferentes preferências de consume dependendo do momento em que ela estiver num dado momento. Uma executiva bem sucedida pode consumir uma caneta Mont Blanc e pasta Louis Vuitton e também consumir, num mesmo dia, um vestido Doc Dog, colares e pulseiras Guerreiro e botas da Galeria Ouro Fino, além de artigos Salomom para fazer trilha nos fins de semana e Cristais Bacará para sua sala de estar”. Estas sutis, contudo poderosamente influenciadoras características observadas no universo do consumo de bens simbólicos, certamente não podem ser apreendidas por metodologias pesquisas de mercado ortodoxas, necessitando de uma construção metodológica adequada à investigação de um objeto que é, sobretudo constituído por razões e comportamentos antropologicamente orientados. Assim, a etnografia como método e a análise antropológica como perspectiva de leitura da realidade observada pode ser tomada como uma das mais coerentes e frutíferas opções para análise de práticas de consumo e leitura de cenários, permitindo assim, a criação de estratégias de posicionamento de marcas e desenvolvimento de produto com uma sensivelmente maior possibilidade de sucesso no mercado.
Desta feita, a função da antropologia quando utilizada no posicionamento de marcas é promover, por meio da etnografia como instrumento de pesquisa (substituindo as pesquisas convencionais de mercado) e da antropologia como ferramenta para gerar estratégias de desenvolvimento de produto — a solução de problemas corporativos, o posicionamento e gestão de marcas e organização administrativa e ampliar perspectivas para a produção em vários segmentos do mercado.

BIBLIOGRAFIA


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* in MÜLLER, Andréas. – Infiéis são as marcas. Revista Amanhã. Edição 204, Plural Comunicação Ltda, Porto Alegre. outubro de 2004.

[1] Esta sucinta reflexão acerca da etnografia como ferramenta para desenvolvimento de estratégias para produção e consumo de bens simbólicos, é parte das investigações desenvolvidas em nossa pesquisa de pós-doutorado, realizada na área de Antropologia do Capitalismo, no Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas.

LUXO - Revista Pesquisa - Fapesp






Dar-se ao luxo é um luxo
O mercado de consumo sofisticado brasileiro não pára de crescer

Carlos Haag
Edição Impressa Agosto 2007


Dê-me o supérfluo que eu abro mão do essencial”, dizia, em sua sabedoria, Oscar Wilde. A rainha Maria Antonieta (vista nestas páginas e nas seguintes, representada pela atriz Kirsten Dunst, no filme homônimo de Sofia Coppola) quis as duas coisas e perdeu a cabeça. Foi talvez o primeiro exemplo de que é preciso tê-la no pescoço para usar, com felicidade, luxo e política. Vinda da corte austríaca, onde os excessos de cerimônia haviam dado lugar a um estilo de governo mais simples, a adolescente de 16 anos penou ao deparar com a pompa de Versalhes. “Ela não tem etiqueta, não mostra os sinais de sua posição e não está cumprindo com seu papel”, anotou seu irmão, o imperador José II. Por fim, a jovem compreendeu, mas abusou do remédio: refestelou-se no luxo para ganhar seu espaço, sem perceber que o que ficava bem para a “amante real” era intolerável numa rainha. A corte e o povo passaram a odiar sua exibição de jóias, sapatos, vestidos e perfumes. Ao usar o luxo para conseguir o poder, perdeu tudo e nos legou uma lição valiosa: por vezes, na contramão freudiana, um vestido pode ser bem mais do que um vestido.“Por meio do luxo, paradigma central do consumo, as classes economicamente superiores geram sistemas de valores, estruturas de sociabilidade, formas de produção simbólica e uma verdadeira ordem cultural que acaba por ser transmitida e reorientada entre as demais classes sociais por meio de modelos, ideais de consumo a serem reproduzidos de forma heterogênea entre estas”, afirma a antropóloga Valéria Brandini, cujo pós-doutorado, orientado por Guillermo Ruben, da Universidade Estadual de Campinas, discute a etnografia do luxo, apoiado pela FAPESP. Segundo ela, as diferentes classes, grupos e movimentos sociais não ficam indiferentes, se posicionando de alguma maneira, em função da relação com o grupo hegemônico de consumidores de luxo. Basta lembrar que o mesmo grupo furioso de mulheres que foi buscar Maria Antonieta e o rei, para levá-los a Paris, onde seriam guilhotinados mais tarde, revirou os guarda-roupas reais e afanou os vestidos, sapatos e jóias que provocaram sua queda.

“O luxo é um fenômeno cultural que fez parte de praticamente todas as civilizações antigas e povos primitivos, nascendo com a busca do consumo isento de racionalidade, ou seja, sem preocupação com o depois. Desde os primórdios, ele marca a divisão entre categorias sociais e promove a hierarquização, definindo papéis sociais”, observa Valéria. Segundo a pesquisadora, a relação entre luxo e sociedade pode ser uma forma de se entender as atuais relações de classe, em especial no Brasil. “O consumo de luxo converte-se em uma categoria importante para pensar não apenas a cosmologia da classe mais abastada, como também as correlações e conflitos entre as diversas classes sociais e de como estas sentem a disparidade da distribuição desigual de renda no Brasil e se diferenciam em valores, comportamento e perspectivas”, avalia. Da mesma forma que o conceito de Lévi-Strauss de que o alimento para certas civilizações indígenas não são apenas bons para comer, mas para pensar, também no consumo, continua, não desfrutamos tão-somente da funcionalidade dos objetos, mas pensamos seu significado, absorvendo a essência de valores que o objeto de consumo nos provê. “Os hábitos de consumo nos definem.” Isso está expresso na primeira pesquisa sobre o mercado de luxo no Brasil, feita entre 2006 e 2007 pela MCF Consultoria e pelo Instituto Gfk Indicator, que revela o crescimento do mercado de luxo nacional, com um faturamento de US$ 3,9 bilhões (1% do faturamento do mercado mundial), um incremento significativo de 17%, se comparado ao PIB brasileiro, de cerca de 3,7%. O mercado de luxo cresceu 33% nos últimos cinco anos, movimentando, em média, US$ 2,2 bilhões por ano, quase 3% do nosso PIB. O Brasil é, ainda, responsável por 70% do consumo de luxo da América Latina e pode se “gabar” de abrigar uma das maiores lojas do gênero no mundo, a Daslu, com 20 mil metros quadrados, 87 banheiros, 72 caixas, 22 elevadores e 63 marcas internacionais. “É ponto pacífico de que há símbolos no capitalismo tanto quanto há simbologias e mitologias entre os índios do Amazonas, os nativos da Polinésia e os negros da África Equatorial. Os objetos de consumo são a parte mais visível da cultura contemporânea”, avalia o antropólogo Roberto DaMatta. “A sociedade de consumo produziu a sacralização do profano, ou seja, a ascensão e a valorização do mundo material, alçando-a à condição de merecedor de respeito e devoção tanto quanto os antigos valores da religião um dia mereceram”, concorda André Cauduro D’Angelo, autor da pesquisa Precisar, não precisa (Lazuli Editora), feita para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


Moral - Dentre as várias entrevistas feitas para seu retrato do luxo, o pesquisador cutucou na questão “moral” do consumo. “Os entrevistados valeram-se da lógica liberal para justificar o consumo de luxo sob uma perspectiva moral. Sendo resultado de um esforço individual, o luxo, segundo eles, nada mais é que autogratificação legítima. Parece mesmo natural que no próprio universo do luxo se estimulem compreensões da sociedade que atenuem ou enfraqueçam qualquer reflexão moral.” Um bom exemplo está nas conversas de D’Angelo com as “aventaizinhas”, as funcionárias subalternas da Daslu, o oposto direto das “dasluzetes”, “as vendedoras socialites da loja que ajudam na socialização das novas integrantes do universo da elite, uma fórmula em que o dinheiro antigo acolhe o dinheiro novo, ensinando-lhes o que comprar, como se vestir e quais marcas idolatrar”. Proibidas de sentar nas cadeiras da loja e falar com as clientes, as “aventaizinhas” demonstram uma notável simpatia pelo mundo do luxo que as exclui. “Em uma sociedade em que a melhor forma de ascensão de um pobre é alojar-se sob a asa generosa de um rico, as duas partes fazem um acordo que vigora no universo do luxo: a elite estende a mão à plebe que, em contrapartida, não questiona, reflete ou critica.” Legitima-se assim, diz, o consumo de bens de luxo. As pessoas comparam a sua realidade à dos imediatamente acima, tendo neles o seu espelho. Em vez de condenado, o consumo de luxo é admirado e copiado e o que geraria uma discussão moral torna-se mera questão de possibilidade financeira.O problema é histórico, mas recente. Por eras, o luxo foi visto pelo homem com olhos diferentes dos da modernidade. O luxo pré-histórico, por exemplo, não estava voltado à posse dos objetos, mas à troca, em que os objetos revestidos de prestígio ficavam reservados a um intercâmbio de sentido religioso e mágico, em que se dava e recebia na mesma medida. Os objetos eram símbolos, e não “coisas”. Uma dessas primeira manifestações foi o Kula, entre os melanésios, um sistema intertribal de trocas de colares e braceletes de conchas, cujo valor reside na continuidade da transmissão. Com o surgimento do Estado, o luxo se consolida como instituição social, passando a coincidir com as lógicas de acumulação, centralização e hierarquização. Platão, Aristóteles e Sócrates reprovavam o desejo pelo excesso, de tudo o que fosse além dos limites das necessidades, fixados pela natureza. Os romanos, pasmem, tampouco aprovavam o consumo desenfreado, visto como ameaça à ordem: Cícero e Sêneca condenavam o luxo como um vício corruptor do caráter. Para evitar o “mal” foram criadas, em 200 a.C., as “leis suntuárias” que punham freios no consumo de luxo e vigoraram até 1300. “Com o enriquecimento e ascensão da burguesia, o luxo se emancipa do sagrado e da ordem hierárquica, tornando-se uma esfera aberta à consolidação da mobilidade social”, lembra Valéria. A mesma lógica econômica que, em fins do século XVII, legitimou o homem consumidor libertou o “gênio” do luxo de sua garrafa. “A justificação instrumental do luxo ocorreu num momento em que a burguesia começava a ostentar produtos antes restritos à nobreza. O consumo passa a servir cada vez mais à emulação social”, explica D’Angelo. O espírito de liberdade individual do século XVIII valorizou ainda mais o desejo humano, considerado expressão dessa liberdade. “O argumento usado era que ‘vícios privados’ como o luxo traziam ‘benefícios públicos’. Para o economista político holandês Bernard de Mandeville, o crescimento da indústria e da economia dependia diretamente desses vícios humanos. Apesar das críticas de Rousseau ao consumo, Hume e Adam Smith viam apenas benesses nessa nova modalidade econômica, ora vista como natural, ora como ápice da civilização. “Os burgueses eram ávidos consumidores de luxo, como forma de obter o reconhecimento social que lhes faltava. O desejo de pertencimento fez surgir, na França, a indústria da imitação: produtos semelhantes aos de luxo, com materiais baratos e produção em série, para atender à demanda dos que queriam se sentir um nível acima daquele que ocupavam na sociedade”, nota o pesquisador. O século seguinte repetiu a dose.


Prestígio - A ponto de o filósofo americano Thorstein Veblen, autor de A teoria da classe ociosa, criar o conceito de “consumo conspícuo” para definir tudo o que se consumia para exibição individual, para impressionar os outros, parte do jogo de status e prestígio social. Ao longo desse caminho, nota Valéria, o luxo se estetizou na erotização e na moda, que tornava o corpo um suporte do luxo. “As mudanças constantes da moda estão ligadas à lógica do desperdício demonstrativo e das lutas simbólicas que acompanham o ethos do luxo”, avalia. Segundo ela, a moda nasce em meio à luta da burguesia por um lugar ao sol na sociedade e, ao fazer uma aliança com o luxo, ambos transformam-se em ferramentas ou armas que, a partir de então, tornam-se um par constante até a atualidade. “Se, na era anterior à Revolução Industrial, as formas de exposição na vida pública revelavam a posição social do indivíduo, sendo a roupa um referencial do status social denotado por uma pessoa, a partir do século XIX as pessoas passaram a acreditar que suas roupas, seus gestos, seus gostos revelavam não mais a sua origem social, mas sua personalidade”, explica a pesquisadora, para quem “a moda sempre foi comunicação”. Assim, pondera, com a moda se instala a primeira grande figura de um luxo absolutamente moderno, superficial e gratuito, móvel e liberto das forças do passado e do invisível. No Brasil, embora o seu primeiro produto tenha sido um artigo de luxo, o pau-brasil, usado no tingimento de tecidos finos e na fabricação de tintas, apenas em 1808, com a chegada da família real ao país e a abertura dos portos, é que nos integramos, por meio da importação direta (em especial da França) ao consumo elegante global. Depois de décadas de reinado, a rua do Ouvidor, no Rio, cedeu lugar, nos anos 1920, ao domínio das lojas de departamentos, como a Mappin Store, em São Paulo, que concentravam num único espaço todas os artigos de luxo que se compravam separadamente nas lojas da rua carioca. Isso gerou uma revolução silenciosa, como observa a historiadora Maria Claudia Bonadio em sua tese defendida na Unicamp (com apoio da FAPESP), recém-lançada em livro, Moda e sociabilidade (Editora Senac). Com as novas lojas à inglesa, as mulheres da elite paulistana conseguiram um acesso ao espaço público, reduzidíssimo na época, por meio do ato de “ir às compras”, passando não apenas a desfrutar desse espaço como a experimentar novas formas de sociabilidade a partir do consumo da moda de luxo, ato aparentemente inócuo que foi fundamental para a luta feminista brasileira. Aos poucos, o brasileiro foi criando o seu lócus para consumir o luxo, como a rua Augusta e, mais tarde, a sua vizinha próxima, a rua Oscar Freire.
Grifes - Nada, é claro, comparável ao surgimento, nos anos 1990, com a liberação das importações pelo governo Collor, da afamada Daslu, que, nota D’Angelo, “atendia aos desejos da elite por produtos importados aqui mesmo, no Brasil, sem a necessidade de pegar um avião e ir para a Europa”. Ela era fruto de uma mudança nos hábitos de consumo de luxo nacionais que indicava a presença maciça de consumidores da classe média alta entre a clientela das grifes. “Aquele estouro de vendas não refletia só a demanda reprimida das elites, mas a criação de novos desejos de consumo entre os setores mais afluentes da classe média brasileira”, completa o pesquisador. Isso igualmente trouxe dados importantes sobre as relações entre os estratos sociais. “A polarização em relação ao consumo de luxo não está situada obrigatoriamente entre a classe baixa e a classe alta, mas entre a classe média e a classe alta. Tal qual a relação entre burguesia e aristocracia no início das relações capitalistas, o consumo de luxo representa a relação entre essas duas classes, a média e a alta, em que a primeira quer consumir os signos de distinção da segunda”, avalia Valéria. Ou, em outras palavras, as marcas, que aparecem como totens das sociedades complexas, as quais os indivíduos querem que os representem, pois sua significação social lhes atribuí características que desejam ter, nota a autora. “Os conglomerados democratizaram o luxo mundo afora. A logomania tornou-se febre mundial a incentivar a indústria das falsificações. Os logos de luxo tornaram-se pictogramas lidos como uma linguagem universal do Cairo a Moscou, por todas as categorias sociais”, continua Valéria. Segundo ela, nesse movimento o luxo estilhaçou-se em vários luxos, para públicos diversos, onde o verdadeiro luxo, ou seja, o luxo de exceção, coexiste com um luxo intermediário e acessível. “O ícone do verdadeiro luxo pode ser adquirido pelas classes menos favorecidas na forma de um perfume Gucci, um chaveiro Ferrari, que, fragmentando o luxo de exceção, funciona para as classes economicamente inferiores que consomem produtos isolados como um arremedo, um pastiche do universo de significações que categorizam o habitus das classes poderosas, mas que não torna acessível aos mais pobres o sentido de unidade de gosto e estilo de vida dos mais ricos, senão pela transformação do luxo em kitsch.” Os movimentos se sucedem, de baixo para cima, e vice-versa. “Surge um Brasil evocado nas coleções de moda, dito tradicional, popular e singular. A cultura brasileira e a popular passam a interessar as elites criadoras e consumidoras do luxo. O povo do luxo passa a ver, no Brasil, o luxo do povo”, nota a antropóloga Débora Krischke Leitão, em Antropologia e consumo (Editora Age). São os desfiles que trazem trilha sonora com Tati Quebra-Barraco, vestidos de chita, bolsas com estampas do Cristo Redentor, sacolas de feira, saias de baiana. “A ‘harmonia’ entre popular e alta moda é proposta pelos produtores de moda e aceita por suas consumidoras, que desfilam nas colunas sociais com peças populares/artesanais/brasileiras. Mas essa apropriação se dá no registro do exótico, interessante porque é diferente. São facetas de uma tradição retiradas de seu contexto e engessadas. O povo que vai para a passarela é um povo inventado e objeto de adaptações, um povo de apelo comercial, lapidado de acordo com os gostos da classe consumidora de luxo”, avalia. Na contramão, temos a pirataria, a imitação, hoje muito bem feitas, dos artigos de luxo consumidos por várias classes sociais, pois, ao menos no Brasil, elas não são apenas uma imitação de cima para baixo que viria suprir as necessidades de emulação dos grupos populares. “Elas não são consumidas só porque são bem feitas, mas porque as diferenças entre as classes sociais brasileiras estão tão fortemente demarcadas que, muitas vezes, a distinção se dá pela própria aparência”, observa Débora. Daí, é possível às classes médias altas (e até mesmo a “celebridades”) usarem, por exemplo, uma bolsa Louis Vuitton pirata, pois a mesma passará por legítima. “A diferenciação é tão bem incorporada nos sujeitos que é possível para muitos usar um bem falso e este passar por original. O mesmo produto, em um popular, por melhor pirateado que seja, não engana ninguém na cena social, apenas em função de quem o carrega.” A reação é imediata. Quando um bem de luxo se “banaliza”, pela sua “democratização”, as elites o deixam de lado, como se fez no Brasil com a Louis Vuitton, então vista como “brega” e desprezada pelos ricos. Isso, porém, não afetou o consumo de imitação pelos mais pobres, o que pode indicar que o luxo nem sempre é forma de imitação das classes altas, mas pode ser usado de forma adaptada. “O consumo de luxo é adaptado ao gosto popular e ao invés de interpretá-lo como uma deformação do estilo da bolsa original, achamos melhor pensar que é modificado ou transformado, num processo que, de cima para baixo, parece distorção ou má compreensão, e de baixo para cima parece adaptação a necessidades específicas.” Isso vale, inclusive, para o consumo “verdadeiro” do luxo feito atualmente pelas elites. “O luxo deixou de servir apenas à marcação de posições sociais no coletivo para satisfazer o indivíduo, suas instâncias emocionais e a satisfação de suas fantasias pessoais. Ao luxo de natureza quantitativa (escassez gerando valor) contrapõe-se o novo luxo, qualitativo, ligado à identidade, ao conforto, à comodidade, à sofisticação, liberdade. Tudo o que é novo, diferente, ousado, converte-se hoje em luxo”, pondera Valéria. Assim, o luxo perderia a obviedade do material nobre e ganharia em suporte sensorial e em capital cultural: o prazer é o grande luxo almejado. Não sem razão, a Daslu oferece, aos seus clientes, um spa e a Louis Vuitton, de Paris, tem lugares para “sonecas”. O luxo está associado ao bem-estar, agora um privilégio de poucos.
Status - O corpo, diz a pesquisadora, é o grande suporte para este novo luxo por meio da moda e das marcas. “A moda contemporânea torna-se mais do que roupa, tendência ou estilo. Ela se torna objeto de ação expressiva, de mensagem, não apenas referencial de status, mas forma de comunicação.” O indivíduo, continua, se autonomiza na massa e ao mesmo tempo a incorpora pela representação que faz de si mesmo, pela dramatização proposta pela forma de vestir, de compor um estilo, de comunicar valores sociais ou aspectos subjetivos que deseja expressar para o outro. “O estilo é a ferramenta da construção da personalidade. Signos codificados em peças de vestuário atuam como novas formas de expressão da subjetividade e identidade do indivíduo.” D’Angelo nota como o novo luxo, ao negar o velho luxo, mostra-se não ostensivo. “É quase invisível de tão voltado à intimidade de cada um e, embora raro, não tão dependente do poder econômico. É, de outro modo, elitista, já que preserva a relação de diferença (os que têm e os que não têm) sem, no entanto, ser tão rigoroso nos pré-requisitos que a ele dão acesso.” Remonta, dessa forma, à noção mais pessoal do que venha a ser luxo, a simplificação da auto-indulgência individual, tratada de forma coletiva, privilégio ao qual todos querem acesso. Chegamos, então, ao luxo “sensato”, como proposto pelo filósofo francês Giles Lipovetsky, para quem “a busca dos gozos privados suplantou a exigência de ostentação e de reconhecimento social, substituindo a teatralidade social pelas sensações íntimas”? “Acho que, quando o assunto são as motivações do luxo, é melhor adicionar do que subtrair. Assim como na sociedade há sempre uma combinação de forças entre aquilo que queremos e desejamos e aquilo que os outros querem e esperam de nós, no luxo, a nossa vida de consumidor combina escolhas para ‘nós’ e outras tantas para os ‘outros’. O mesmo se dá na moda: ao mesmo tempo que ajuda a filiar o consumidor a uma tribo, reforçando seu pertencimento, ela serve também para solidificar a sua própria compreensão como consumidores. juvenis mais abastados em vários países”, explica Valéria. Mais: para a pesquisadora, no universo globalizado, os estilos de vida são fluidos, portanto, um mesmo consumidor pode participar de grupos diferentes e, por vezes, “antagônicos”, dependendo do momento de trabalho, lazer ou educação em sua vida cotidiana. “Uma executiva pode consumir uma caneta Mont Blanc e uma pasta Louis Vuitton e também usar um vestido Doc Dog, colares Guerreiro e botas da Galeria Ouro Fino.” Ao contrário da “pobre” Maria Antonieta hoje é possível usar-se o luxo para o poder e para o prazer, sem medo algum de perder a cabeça. Só cuidado para não guilhotinarem seu cartão de crédito.
Revista Pesquisa - Fapesp

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

"BELA DE MORRER": Do corpo fabricado pela moda



MARCAS DA CULTURA NA "FABRICAÇÃO"

DO CORPO

O antropólogo Viveiros de Castro, em seu estudo sobre os Yawalapitís, utiliza o termo `fabricação do corpo' para conceituar práticas pelas quais o indivíduo sofre uma ação direta da sociedade na constituição de sua porção fisiológica, a qual intervém diretamente sobre as substâncias que comunicam o corpo e o mundo, como fluidos corpóreos, alimentos, tabaco, óleos, tintas vegetais, entre outras coisas. (Sztutman, 1999)
Segundo Pierre Clastres, na obra A Sociedade contra o Estado (1986) as populações indígenas não necessitavam de aparelhos de coerção social, uma vez que a sociedade já é, desde cedo, inscrita no corpo das pessoas por meio de técnicas variadas, como tatuagens, escarificações e perfurações. É como se as leis e as instituições formais fossem ali substituídas por marcas impressas, com muito sofrimento, no corpo dos homens ¾ `a lembrança escrita pelo corpo é uma lembrança inesquecível.
No Brasil, estudos de Viveiros de Castro (1987) sobre as tribos indígenas como os Yawalapíti, constatam que as transformações do corpo e da posição social eram uma coisa só e não podiam ser dissociadas, sendo o físico humano fabricado, modelado pela cultura; assim, o corpo só ganhava existência mediante um processo de fabricação cultural, o que poderia ser verificado em ritos de passagem, como os da puberdade, doença, iniciação xamanística, eventos em que o corpo materializa os processos e etapas vivenciados pelo indivíduo e que são expostos ao grupo.
A "fabricação do corpo" na contemporaneidade é tão forte quando na era primitiva: a sociedade pós-moderna infringe sobre o corpo humano a marca de seu momento sócio-histórico atual, utilizando na `fabricação do corpo pós-moderno', todas as tecnologias disponíveis no mais alto grau de conhecimento humano ¾ laser como peeling, para cirurgia plástica e implante de cabelos; químicas e farmacologia para emagrecer, aumentar, endurecer e estreitar as formas; materiais sintéticos como silicone e metais como ouro, platina e cobre para aumentar os seios, segurar a face e esticar os ossos ¾ tudo para tornar o corpo o ícone do momento presente: o belo e o ideal de acordo com sua cultura.
Desde os primórdios da existência humana, o corpo foi fabricado pela cultura. Os padrões estéticos consensualmente adotados pela cultura sempre dizem respeito à cosmologia vivida num dado período sócio-histórico. Parte de nosso sonho de consumo em relação à moda, por exemplo, é, assim como em culturas primitivas, sofrer a transformação, construção estética do corpo para integrar-nos ao padrão de imagem vigente.
O significado do adornar, ornamentar, `fabricar' o corpo, constitui uma prática de comunicação e representação de valores sociais, já que este corpo só ganha existência por meio da fabricação social, isto é, da atuação do social sobre o corpo, que lhe acrescenta um valor estético imbuído de determinantes simbólicas da cosmologia local.
A atuação do social sobre o corpo e a forma de vê-lo, de conceituá-lo é a grande marca da cultura sobre a materialidade humana. Podemos `ler' a cosmologia de um povo e sua época pela caracterização dos corpos, pelas formas que esses corpos são expostos ou escondidos (a apresentação ou omissão de sua imagem), por quais características humanas nele são evidenciadas ou veladas ¾ a sexualidade ou a negação desta, a gula e a extravagância ou a resignação e a fome, a arte sobre a pele ou a pele como pecado.
Vivenciar as significações sociais, determinadas em muito por crenças e rituais esotéricos por meio da fabricação, transformação e metamorfose do corpo torna-se uma maneira de tornar assimilável aos sentidos, sobretudo acrescentando-lhe um valor estético, aquilo que não é palpável. Marcar, ornamentar o corpo torna-se, a partir deste ponto de vista, uma ação ritual que representa, imbuída já de um valor estético, uma prática de transcendência por um lado e de integração por outro.
O senso estético, como comenta o antropólogo Franz Boas, no livro El Arte Primitivo, (1947) se constitui nas sociedades primitivas pelos movimentos ritmados do corpo ou de objetos; as formas que apelam para o olhar podem ser designadas como obras de arte quando provocam sensações agradáveis. A ornamentação do corpo, acrescida de valor estético, constitui uma das primeiras manifestações da arte primitiva. Esta prática, também forma de arte e processo ritual, constitui, já na era primitiva, enquanto arte representativa sobre o corpo, um meio de identificação, comunicação visual e representação de valores e inscrições sociais compartilhadas pelos povos.
No decurso da história da humanidade, os estatutos do corpo têm se alterado conforme as mudanças socioculturais ocorrem no interior de grupos, etnias e das sociedades como um todo. Nas sociedades primitivas, o corpo humano era instrumento do trabalho de subsistência, alheio ao sujeito, à subjetividade, inconsciente da individualidade. Sua função era a de objeto do todo social. Segundo o antropólogo Viveiros de Castro, “a exemplo do complexo de reclusão pubertária do Alto Xingu, em que os jovens têm o corpo literalmente fabricado, imaginado por meio de remédios, de infusões e de certas técnicas como a escarificação... fica claro que, em suma, não havia distinção entre o corporal e o social: o corporal era social e o social era corporal.” (SEXTA-FEIRA, 1999:114)
Tal é a fundamentação do corpo como “essência” da humanidade entre os povos primitivos ao passo que, enquanto para o pensamento ocidental, o ato de conhecer implica na busca pela objetividade, pelo distanciar-se da subjetividade do objeto, reduzindo a intencionalidade do mesmo, o dasanimizando; para os “cientistas primitivos”, ou seja, para os xamãs, conhecer alguma coisa é atribuir-lhe o máximo de intencionalidade, é buscar a subjetividade como forma de conhecimento. Lévi-Strauss dizia que esse ideal de subjetividade que constituía o xamanismo está confinado na nossa civilização no que ele chamava de parque natural ou reserva ecológica no interior do pensamento domesticado: a arte. O pensamento selvagem foi confinado oficialmente ao domínio da arte; fora dali, seria clandestino ou alternativo. (SEXTA-FEIRA, 1999:125)
Em outras palavras: é ter capacidade de ocupar um corpo outro repleto de afecções.
Pelo pensamento ameríndio, espécies animais e vegetais possuem, por trás de seus disfarces corpóreos, um espírito humano. A corporalidade aparece como instância de produção de significações sociais. O corpo torna-se então, como ressalta Merleau-Ponty, (1985:212) um conjunto de significações vividas.
O sentido estético na ornamentação do corpo entre os povos primitivos, numa acepção artística em que a representação simbólica se coaduna à estimulação de agradar aos sentidos; já denota a estreita relação entre arte e mito (religião), onde o caráter esotérico define, assim como também é definido por inscrições sociais; e o corpo, como instrumento da continuidade entre natureza e cultura torna-se um ponto fundamental que interliga as diversas instâncias (sociais, religiosas, políticas, culturais) da vida primitiva.
CORPO E CULTURA EM DIFERENTES ÉPOCAS
Na era greco-romana acreditava-se na extensão corpo/espírito, em que estes se complementavam na busca pela harmonia - “mente sã, corpo são” - o que caracterizava a cultura helenística. O nu era sagrado e a relação saúde-beleza-juventude constituía praticamente uma liturgia. Corpo e espírito eram manifestações de uma mesma realidade e, mesmo a medicina, oriunda do século IV a C., estava impregnada das idéias de harmonia, medida e proporção.
Com o surgimento do Cristianismo, teve início a separação irreconciliável entre corpo e alma, natureza e espírito, sensibilidade e intelecto, razão e paixão. Ao contrário da religião entre os povos primitivos, em que os deuses e elementos superiores encontravam-se na natureza, no que era palpável, ao mesmo nível do homem, o cristianismo tornou a dimensão espiritual algo inatingível, impossível de ser captada pela dimensão física, material, de forma a promover o início da dicotomia entre corpo-espírito.
Já no período anterior ao Renascimento, nas civilizações ocidentais, a dicotomia entre corpo e espírito, fundamentada em dogmas religiosos, impunha a negação do corpo em favor da elevação do espírito. Com a era do Renascimento, as atenções foram centradas no homem, não mais em Deus ou na Igreja. Segundo Hoffmann, (1998), nunca arte e ciência andaram tão próximas quanto nesta era, a ponto de se questionar se Da Vinci (1452-1519) dissecava cadáveres humanos para melhor desenhar ou para melhor conhecer o corpo biológico.
Descartes (1596-1650), fundamentou seu discurso filosófico num dualismo corpo/espírito, em que o corpo era reduzido à condição de máquina, considerado como uma exterioridade a ser controlada, um instrumento a ser operado pela razão, cujo propósito era resguardar a Igreja e a ciência moderna que então despontava (Hoffmann, 1998). Mesmo as funções mais próximas do pensamento, como sonhos, memória, paixões, eram explicadas dentro de uma visão mecanicista. O espírito ficava assim resguardado como convinha à Igreja, e o corpo, sendo matéria, podia ser reduzido, estudado, compreendido. Segundo Hoffmannn, o mecanismo de origem cartesiana deu origem ao moderno reducionismo, do qual resultou a visão fragmentada do corpo humano.
A modernidade do século XIX, por sua vez, com sua ruptura em relação à tradição e corrida pelo progresso e pelo futuro, converteu o corpo humano em máquina operada pelo capitalismo em ascensão: ao contrário da era primitiva em que o trabalho, na forma de subsistência era realizado para a manutenção das necessidades fisiológicas do corpo, na modernidade, o trabalho como forma de acumulação torna o corpo escravo da dinâmica do capital. O corpo exaure suas forças pela acumulação em lugar da subsistência; ironicamente, o resultado econômico do trabalho não provê a subsistência necessária para a manutenção deste corpo. Associada ao corpo/máquina fabricado pelo capitalismo moderno, a moda emerge caracterizando e definindo os atores sociais pela composição estética sobre seus corpos. A era vitoriana vela o corpo com cores escuras que cobrem quase toda a sua extensão, como se a mínima exposição de pele pudesse libertar a luxúria do homem/animal liberto das rédeas seguras pelas convenções sociais.
Segundo Richard Sennet (1982), com a emergência da problemática do “eu” no século XIX, (a exemplo das descobertas de Freud), em decorrência da divisão da vida urbana em esfera pública/esfera privada, o estatuto do corpo assume novas dimensões, tornando-se instrumento da busca narcisista por auto-satisfação, personalização e individualização crescente. O corpo torna-se instrumento do sexo, do prazer, da auto-afirmação e confunde-se com o que significa o indivíduo em si, gerando uma despersonalização dos conteúdos internos deste e a concepção de que as “pessoas são seus corpos”. Todavia, diferentemente do estatuto social atribuído ao corpo na era primitiva, onde ele é uma continuidade da relação natureza-sociedade e a corporalidade é instrumento da vida prática que se desenvolve de uma forma comunitária onde o valor do social se sobrepõe ao indivíduo isolado; no capitalismo industrial o corpo assume atributos de instrumento do narcisismo, do individualismo, de um “eu” emergente isolado afetivamente do todo social.
Essa mistificação em torno da imagem como reveladora da personalidade, cria um novo estatuto do corpo, a crença na subjetividade revelada na corporalidade. Ela torna-se evidente neste período, por volta do fim do século, com o início de práticas como a frenologia - a leitura da personalidade a partir da forma da cabeça - e das mensurações de Bertillon em criminologia (Sennett), pelas quais os psicólogos tentavam identificar futuros criminosos por meio de características cranianas, além de outros traços físicos.
Pós-Modernidade. O que para muitos é apenas um neologismo, aqui é empregado para nos remeter ao momento sócio-histórico atual: a sociedade complexa que se forma e se transforma após a modernidade. É nesse momento, em associação diametricamente oposta (ou não) com o primitivismo que o corpo assume, de forma mais preponderante, o estatuto de representação simbólica de uma cultura e sua época.
Na era que aqui categorizamos como pós-modernidade, o corpo assume de forma mais explícita e contínua o estatuto de representação de subjetividades, de individualidade, de personalidade, de exteriorização de conteúdos do sujeito - que foram reverenciadas no século XIX e abolidas no início do século XX - ou até mesmo da construção de “simulacros de sujeito”. O corpo, que na era primitiva servira tanto como aparelho social, ao todo coletivo, torna-se instrumento, objeto personalizado do indivíduo, “palco” para a dramatização do self.
Já no início do século XXI a ornamentação do corpo dá-se pela forma como a pessoa “constrói” este corpo por meio de dietas, plásticas, bodybuilding entre outros exercícios específicos para a forma que se deseja adquirir, tratamentos de pele de última geração, o cuidado com os cabelos e o recurso das tinturas, permanentes; entre outras tantas técnicas utilizadas em prol da beleza. A estrutura cultural de grupos urbanos, a exemplo dos clãs primitivos, lança mão da estética do corpo como dramatização de si mesma. É na cultura de rua, nos grupos de estilo urbanos que vemos, com maior evidência, o processo de personificação e ritualização via composição indumentária e comportamento social. A ornamentação do corpo na pós-modernidade, a exemplo dos grupos de estilo, com seu aspecto teatral e iconográfico, possui o mesmo significado de representação do universo simbólico e muitas vezes imaginário, onírico dos totens criados por sociedades primitivas.
O corpo enquanto forma, numa referência ao “formismo” de que nos fala Maffesoli (1996:127) no livro No fundo das aparências, nos mostra que a forma (ou aparência) é formadora e, que a aparência é, ao mesmo tempo, parte integrante de um exemplo dado e meio de compreender este conjunto, o todo social. A aparência nos mostra o que é aleatório e ao mesmo tempo dá coerência à totalidade. É a relação do homem com o meio, em sua forma simbólica que pode ser lida na aparência.
Do body piercing e cirurgias plásticas da artista Orlan, que recria seu corpo como obra de arte pelo uso do bisturi, até o uso do silicone nos seios, estes são grandes signos do nosso tempo em pequenos detalhes do nosso corpo que recriam sua imagem e de muitos tempos dentro do mesmo momento sócio-histórico que nos mostram o que somos pela cultura que nos compreende ¾ a nós e ao Outro, mesmo quando o eu e o Outro trocam de sujeito.
Até o século XIX o corpo ornamentado por signos da cultura servia à confirmação de hierarquias sociais. Na era atual, o corpo torna-se território para onde são deslocadas e realojadas relações, instâncias da vida cotidiana e manifestações de discursos artísticos e científicos. É nesse novo território denominado corpo que muito das representações, rituais e instâncias míticas do ethos urbano contemporâneo alocam-se e manifestam-se.
O conhecimento necessário sobre o corpo e suas dimensões (biológicas, políticas, artísticas) só pode ser atingido se considerarmos o corpo contemporâneo e a representação imagética de seu significado como um produto da cultura contemporânea. Em tempos de pesquisa genética avançada, de bio-robótica e de neurociência cognitiva, muitos são os que se voltam para o determinismo biológico, para o neo-positivismo, entre tantas concepções que visam elucidar razões sobre nossos corpos e a vida social, os relacionamentos, as paixões políticas e até mesmo a moda que os adorna. Contudo, lembrando o antropólogo Roque Laraia, no livro Cultura, um conceito antropológico (2002), a cultura, na grande rede de significados que tece na história da humanidade, torna-se algo como uma `segunda natureza', em sua relação de continuidade entre natureza e sociedade.
A cultura é a grande teia que nos envolve em universos simbólicos tão representativos que, para muitos, parecem fatos naturais. Portanto, as relações entre o corpo (sua imagem) e a cultura contemporânea, mais precisamente, a marca da cultura sobre o corpo em sua porção estética e ideológica, é um campo de estudo necessário para a ampliação do conhecimento, num tema que, apesar de citado constantemente, é menos pesquisado nas ciências humanas do que deveria, deixando margem para uma série de equívocos, `achismos', preconceitos e dúvidas.

MODA E PÓS-MODERNIDADE: CORPO E SIGNIFICADO
“A modernidade esforçou-se pelo esquecimento, pela recusa do passado. A pós-modernidade por sua vez, procede antes por acumulação, por aglomeração”.(MAFESOLLI, 1998:66)
O título do álbum lançado pelo músico/poeta urbano Arnaldo Antunes, Tudo ao Mesmo Tempo Agora, cabe aqui como a representação do contexto sociocultural em que vivemos na contemporaneidade. Podemos dizer que este contexto está representado em estética e conteúdo na moda a partir dos anos 90, em sua dimensão sociocultural, histórica e artística.
“Tudo ao mesmo tempo agora” representa a condição, situação em que as estruturas socioculturais engendram seus processos e que as manifestações artísticas, comportamentais, coletivas e individuais ocorrem nas sociedades complexas, a exemplo do universo da moda. Tal condição pode ser definida como pós-modernidade, condição contemporânea estabelecida após a modernidade industrial, o que, conforme Antony Giddens (1991), significa que a trajetória do desenvolvimento social nos tira das instituições da modernidade rumo a um novo e diferente tipo de ordem social.
Giddens analisa o conceito de pós-modernidade como um período de disparidade com o passado, significando que a certeza se dissolve, desde que todos os fundamentos preexistentes da epistemologia se revelam sem credibilidade, que a história é destituída de teleologia e, consequentemente, nenhuma noção de progresso pode ser plausivelmente defendida como fora na modernidade.
Também categorizada como modernidade tardia, a pós-modernidade não deve ser confundida com pós-modernismo ¾ movimento de vanguardas artísticas e literárias ¾ mas implica modos de vida, cultura e desdobramentos político/sociais vividos na contemporaneidade. A pós-modernidade implica descontinuidade, desarticulação de paradigmas e dissolução de identidades, como conceitua Stuart Hall em A identidade cultural na pós-modernidade:
“Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade (...) Esta perda de um `sentido de si'estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento ¾ descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos ¾ constitui uma crise de indentidade”. (Hall, 2001: 9)
Independentemente da nomenclatura adotada para se definir a situação contemporânea, seja pós-modernidade, modernidade-mundo, modernidade tardia ou até mesmo o jargão globalização, a situação que se apresenta em diversas instâncias da vida urbana, social, política, cultural, histórica existe e, independentemente de nossa aceitação da terminologia, a pós-modernidade afeta drasticamente todas as esferas socioculturais que interagem na constituição da contemporaneidade.
Na modernidade, vimos que os conceitos de progresso, de futuro e de recusa ao passado eram preponderantes na formação de estruturas sociais e na cultura. Na pós-modernidade, elementos de tempos históricos, culturas e valores diferentes se mesclam e organizam (ou desorganizam) como novas formas de se conceber e viver o presente. O passado é revisitado e a temporalidade, fluida. Pós-moderno = após a modernidade.
A moda na pós-modernidade, aqui abordada como signo utilitário, apresentada como uma bricolagem estético/temática onde signos, significados e ícones compõem uma ação comunicativa e um novo corpus artístico; é analisada segundo o conjunto de múltiplas determinações que a constituem como um fenômeno sociocultural urbano.
Neste fenômeno observamos referenciais estéticos que mesclando “tudo ao mesmo tempo agora”, tornam a expressão de moda um dos mais representativos sinais do deslocamento dos referenciais, hierarquias e valores sociais que promovem a ambivalência, ambigüidade que prosperam na pós-modernidade.
Simulacros, desarticulações e rearticulações de significados, inversão de valores, desestruturação de ideologias, desterritorialização de elementos simbólicos, compõem a complexidade da vida metropolitana pós-moderna, que pode ser lida na linguagem estética e dinâmica de produção/reprodução do universo simbólico urbano traduzida na expressão de moda tal qual esta se apresenta. Conforme Eco:
“As poéticas contemporâneas, ao propor estruturas artísticas que exigem do fruidor um empenho autônomo especial, freqüentemente uma reconstrução, sempre variável, do material proposto, refletem uma tendência geral de nossa cultura em direção àqueles processos em que, ao invés de uma sequência unívoca e necessária de eventos, se estabelece como que um campo de possibilidades, uma “ambigüidade” de situação, capaz de estimular escolhas operativas ou interpretativas sempre diferentes. (ECO, 1970 :93)
Se a sociedade contemporânea se apresenta como uma polifonia de discursos, como discursos abertos, típicos da arte, e da arte de vanguarda em particular, cuja ambigüidade tende a não nos definir a realidade de modo unívoco, definitivo, já confeccionado, mas nos coloca numa condição de estranhamento em função de sua fluidez, a moda reflete a imersão na totalidade destes discursos, no que Mafesolli chama de razão interna.
Na era que aqui categorizamos como pós-modernidade, a moda assume de forma mais explícita e contínua, o estatuto de representação de aspectos da experiência humana. Ela torna-se instrumento, personalização do indivíduo, “palco” para a dramatização do self.
A moda invade outras searas e se estende, para além do vestir o corpo, no corpo em si, na forma como o adepto da moda o constrói para usá-la. Se outrora o nível social de uma pessoa podia ser observado pela forma como ela compõe seu traje, no fim do século XX este nível pode ser avaliado pela forma como a pessoa “constrói” seu corpo, através de dietas, plásticas, bodybuilding entre outros exercícios específicos para a forma que se deseja adquirir, tratamentos de pele de última geração, o cuidado com os cabelos e o recurso das tinturas, permanentes; entre outras tantas técnicas utilizadas em prol da beleza. O corpo hoje é a moda que antecede a roupa.
Até o século XIX, como pontua Lipovetsky, a moda vigente servia à confirmação de hierarquias sociais. Na era atual, a moda torna-se território para onde são deslocadas e realojadas relações, instâncias da vida cotidiana e manifestações de discursos artísticos e científicos. É nesse fluido território denominado moda, que muito das representações, rituais e instâncias míticas do ethos urbano contemporâneo alocam-se e manifestam-se.
Contudo, a noção de moda enquanto domínio do indivíduo, espaço de exercício da individualidade, de liberdade, como afirma Lipovetsky, onde a autonomia do sujeito prevalece sobre a disciplina e controle determinados pelo social, deve ser analisada com cautela, pois, se assim fosse, a prática hedonista do consumo, seria o verdadeiro `nirvana', exatamente como no discurso proclamado pelos homens de marketing, que nos “oferecem” através dos prazeres do consumo, a liberdade, a autonomia, a satisfação, a auto-estima, o reencontro do indivíduo consigo mesmo.

DO CORPO FABRICADO PELA MODA
Existem vários estatutos da ornamentação do corpo em períodos históricos e culturas diferentes. Mas, além de instância de significações vividas, habitus, objeto de representação de subjetividades, de crenças, de culturas vivenciadas, o corpo metamorfoseado, fabricado, vestido, estilizado, malhado, sarado, operado é, sobretudo nos dias de hoje produzido em função de um ideal de “beleza” tornado vigente pela moda e por significações políticas (como padrões étnicos) que ela agrega.
Beleza e moda não são um par tão constante quanto moda e status, razão pela qual as discussões acerca de padrões de beleza na moda são assombradas pelo gosto duvidoso, o grotesco e o sublime. Para Etcoff (1999), na moda a beleza é uma lousa em branco.
A moda tem o poder de conceber a beleza sob a forma de um paradoxo: por um lado, a imagem do desejo, da sedução, da atração, do sexo e, por outro lado, instrumento de poder de elites, das classes superiores que a utilizam como signo de distinção, nem sempre esteticamente aprazível, mas sempre soberba, audaciosa, arrogante. Aqui a estética aprazível cede lugar ao princípio da diferença, da definição de limites operacionalizados por padrões inexoravelmente definidos como a estética do belo.
Ancoramos esta parte de nossa investigação em pesquisas biológicas/evolucionistas, na tentativa de elucidar motivações outras, além das culturais, que impelem ao desejo do belo, do status e, principalmente, da moda. Para os biólogos, o que motiva a busca pela beleza são nossos genes pressionando para serem transmitidos e tornando seu habitat o mais convidativo possível. A beleza se constitui, por esse ponto de vista, como decorrente da relação meio ambiente - biologia - cultura, fatores que “amoldaram” nossas predileções de aparência física durante a evolução humana.
Sob a visão da psicóloga evolucionista Nancy Etcoff, somos produto da evolução e não podemos mudar nossos instintos ou predileções tão rapidamente quanto atualizamos nossa informação. As mudanças socioculturais não mudaram o instinto, ainda que vivamos num mundo orientado pelo pensamento.
Nossa mente, reações a estímulos externos e motivações, foi desenvolvida em um mundo que era tribal e não global, onde as condições de sobrevivência e reprodução eram outras, a natalidade não era controlada, o número médio de anos de vida era 30 - 40, bebês e crianças morriam freqüentemente de doenças infecciosas e parasitárias antes de chegar à maturidade.
O sistema biológico que automaticamente desenvolvemos, sondava a viabilidade sexual, ele era adaptativo, isto é, reações e motivações, como desejo e atratividade são resultado dos nossos genes nos preparando para condições externas de sobrevivência. Hoje nos encontramos entre sentimentos furtivos por estranhos e reações sexuais a rostos e corpos, que na verdade não controlamos pelo pensamento. Chamem de química, coisa de pele, ou simplesmente atração, tais ocorrências são resultado da evolução.
“O corpo de nossos ancestrais resolveu o problema adaptativo de como sinalizar a sua adequação como parceiros potenciais. Esses sinais biológicos são diferentes dos gestos de galanteio e flerte com que costumamos sinalizar interesse real nas atividades que a beleza de nosso corpo provoca. Os sinais biológicos são leituras fáceis, os sinais psicológicos são mais complexos. Mas se nossos ancestrais não tivessem radar para corpos saudáveis e férteis, teríamos parado de nos desenvolver há muito tempo... Belos traços humanos são uma linguagem consagrada ao problema adaptativo de como sinalizar visualmente seu próprio valor como parceiro potencial e como avaliar o valor de outros por meio de seu visual... No fim do século XX, sexo e reprodução seguiram, em parte, caminhos separados.” (ETCOFF, 1999: 84-85)
Podemos observar, portanto, que a beleza corpórea, enquanto fonte de informação genética, desencadeou todo o processo de desejos, atração, sexualidade para a sobrevivência da espécie. Após milênios de evolução ainda carregamos as mesmas reações a ela. Todavia, foi o desenvolvimento da cultura entre os povos que lhe delegou os estatutos que lhe atribuímos hoje em dia. Um fenômeno biológico de reações a estímulos foi amoldado por estruturas culturais.
Segundo Etcoff, a beleza é parte universal da experiência humana e provoca prazer, fixa a atenção e impele ações que ajudam a assegurar a sobre vivência dos genes.Pela lógica da evolução, a valorização da aparência torna-se um guia do que é bom e do que é mal para nós. Em épocas remotas da humanidade, beleza era bondade, o que era belo era bom. A feiúra era sinal do ruim, do louco, do perigoso. Deformidades, feiúra e doenças eram vistas como estigmas marcados no corpo por um deus colérico: ¾ sempre tratamos a aparência física como fonte de informação.(Etcoff, 1999)
Devemos pensar que nem sempre tivemos sabonete, shampoo, barbeadores, cremes para acne e alergias, ou, até mesmo, banhos diários. Durante a maior parte da história da humanidade, o cidadão comum, a exemplo da idade média no Ocidente, possuía um padrão de higiene muito distinto do atual, eram poucos os que mantinham grande parte dos dentes, que tinham a pele lisa, cabelos limpos e sedosos.
Belos eram os não acometidos por doenças infecciosas, parasitárias ou erupções de pele em decorrência dos padrões de higiene da época. A aparência era uma forma explícita de averiguar se um indivíduo era saudável, consequentemente, um bom parceiro em potencial.
A beleza sempre foi precursora da reprodução sexual, somos avaliados como material genético para parceiros a vida toda, queiramos ou não. Portanto, na antiguidade, buscar um parceiro belo significava assegurar genes saudáveis para a reprodução.
Podemos dizer que a beleza constitui consequentemente, também um fator fundamental da relação natureza - sociedade. Buscar o belo tornou-se um fenômeno cultural, vigente entre os mais diversos povos, que concebem a beleza segundo seus próprios padrões, derivados estes da convergência entre estrutura biológica, agentes do meio ambiente e modus vivendi.
Segundo pesquisadores da neurociência cognitiva, como Etcoff e Ekman, o conjunto aparência/sexo/reprodução, motiva a busca pela beleza. Assegurar a transmissão de genes saudáveis poderia solucionar o fator biológico, entretanto tornava-se necessário assegurar também a sobrevivência. Não bastava a uma mulher dispor de um parceiro com carga genética privilegiada, era preciso assegurar a sobrevivência da prole, razão pela qual a capacidade de prover mãe e filho converteu-se em fator fundamental na escolha de parceiros às mulheres, que buscam não apenas um provedor de genes, mas também um provedor de subsistência. No decorrer da evolução, no caso dos homens, a beleza física sempre foi preponderante para a escolha de parceiras.
As mulheres buscam um companheiro para criar o bebê, sendo mais lentas, avaliativas e sensatas em suas escolhas. Este homem escolhido cuidará da prole, a defenderá contra inimigos externos, por essa razão, os homens ainda são avaliados pelos seus rendimentos e status social, assim como poder e hierarquia sobre outros homens, tanto quanto as mulheres ainda são avaliadas pela sua beleza.
Homens procuram pela beleza em mulheres, pois são indícios de que sua saúde lhe permitirá conduzir a gravidez e de que ela será sexualmente receptiva a esse homem. Mulheres abaixo do peso normal não ovulam, portanto não engravidam - primeiro paradoxo da moda: Se a condição fértil demonstrada pela aparência, por formas físicas arrendondadas nos quadris se converteu em determinante para atribuir beleza às mulheres, o que significa que, na natureza humana o macho sente-se motivado, atraído, “encantado” pela beleza destas formas exuberantes, pois indicam que a mulher está preparada para conceber, a moda elege como belo o contrário, isto é, quadris retos, nádegas achatadas, e a aparência de androginia, que na natureza poderia ser repulsiva ao homem.
Percebemos que, tal qual as sociedades primitivas tribais, com o sistema da moda o corpo é “fabricado, produzido” pelo social, tornando-se matéria prima esculpida pela cultura, obra da arte contemporânea onde a realidade a marca por seus estigmas.
A atual “cultura do corpo” (cujo sentido ambíguo poderia sugerir cultuar o corpo, “cultiva-lo, produzindo-o”, ou mesmo cosmologia que remete ao universo simbólico atribuído ao corpo), retroalimentada pelo universo da moda, suscita todo um arsenal de práticas, técnicas, tecnologia, mercado, atitudes que podem ser analisados segundo a ótica Weberiana sobre o tipo ideal, isto é, um modelo consensualmente aceito é imposto e dita um padrão incontestável a ser seguido.
Se na década de 50/60, era da eclosão das musas de Hollywood, de Marilyn Monroe, considerada a mulher mais sexy do século XX, da consagração das louras, da sensualidade das roupas com cavas, fendas e decotes ousados, o “corpo ideal”, manequim 42, possuía a cintura de 72/74 centímetros e quadril 98, na virada de século XXI, o “tipo ideal”, antes atriz hollywoodiana, hoje top model, possui manequim 36, com cintura de 50/60 centímetros e quadril 80.
Em plena emergência do “wellness”, isto é, a qualidade de vida como nova ordem, médicos, psicólogos, psiquiatras e mães de adolescentes modernas, travam uma árdua batalha contra o padrão top model, que acarreta distúrbios físicos e psicológicos como anorexia e bulimia.
Estima-se que nos Estados Unidos, uma em cada trinta universitárias possui um distúrbio de alimentação, causado, principalmente, pela imposição de um modelo de corpo ideal feminino.
Transformar, reformar, produzir, fabricar este corpo, sacrificando saúde, humor, condição econômica, auto-estima, realmente torna-se um “mal social”, da cultura de consumo, da mídia, da modernidade... Será?
Não questionamos aqui os malefícios que a imposição deste modelo de aparência física causa, principalmente às mulheres jovens. Em meio a toda a busca de conscientização feminina e luta contra um modelo politicamente incorreto, da tentativa de libertar a condição feminina da submissão à condição de “fêmea atraente” destituída de ego, mulher objeto, escrava da imagem, questionamos sim, se este fenômeno que nos parece “moderno”, não é simplesmente um padrão que se reproduz durante quase toda a história da humanidade.
Desde os primórdios da raça humana, o corpo foi fabricado pela cultura. Modelos de beleza física induziam a alongar pescoços com aros de metal (como na África), furar e alongar lábios com madeira e metal (entre tribos indígenas brasileiras), trucidar e deformar pés em sapatos que mais pareciam instrumentos de tortura (como entre as gueixas no Japão), queimar e marcar a pele com ferro quente (como na prática do branding), além das abomináveis práticas africanas de extração do clítoris feminino (na África), ou da castração de garotos, para que suas vozes não se tornassem adultas (os castrati da Idade Média na Itália).
Sem defender tais práticas, pois nos solidarizamos com as vítimas afetadas pela dor, pelo sofrimento e por diversos distúrbios causados pela imposição de modelos de corpo, questionamos se, o que ocorre na ditadura das top models, do mundo da moda e da mídia, fenômeno caracterizado como moderno, atual, não será a forma contemporânea da sociedade imprimir visceralmente a cultura sobre o corpo na atualidade.
Até o século passado, o padrão de beleza para as mulheres chinesas solicitava pés pequenos, dessa forma, as mães chinesas amarravam com faixas apertadas os pés das filhas para deformá-los propositadamente, alterando a estrutura óssea natural, em prol de um tipo ideal de pés femininos. Tal tradição teve início como uma moda na corte da dinastia Sung entre as famílias nobres, e depois foi vazado para baixo, através das várias camadas sociais até os camponeses. (PAGLIA, 1993: 150)
Segundo a feminista Camile Paglia, tal prática foi lei absoluta, exceto para as classes mais baixas, do século XI ao XX. Todas as mulheres, a partir dos cinco anos tinham os pés enfaixados para restringir o crescimento, mantendo-os pequenos. Durante à noite a bandagem era afrouxada, a dor então piorava quando o sangue se precipitava para o pé. Estes pés eram deformados para transformarem-se no pé ideal, ou “pé de lótus de ouro”, de dez centímetros apenas. Mulheres cujos pés não possuíssem este padrão, não “arranjavam marido”, pés normais ou redondos eram obscenos.
A partir de 1912 o enfaixamento de pés foi proibido, antes disso, milhares de mulheres tiveram seus pés mutilados por essa prática, ou morreram de infecções causadas pela gangrena.
Paglia traça um paralelo entre o enfaixamento de pés na China e o uso dos saltos altos no Ocidente, que reduzem o músculo da panturrilha, comprimem e deformam os dedos e prejudicam a coluna, tendões de Aquiles se dobram para trás, tornozelos são torcidos ao andar, as costas ficam arqueadas, os seios são projetados para frente, as coxas são contraídas e as nádegas femininas arrebitadas, como se os saltos altos as colocassem num pedestal... Tudo da forma que as mulheres esperam aparentar e os homens admirar. As mulheres, realmente não se abstém de tal “sacrifício”, pois, certa vez Marilyn Monroe disse: “Não sei quem inventou o salto, mas as mulheres lhe devem muito.” (in STEEL, 1998:116)
Os padrões estéticos consensualmente adotados pela cultura sempre dizem respeito à cosmologia vivida num dado período sócio-histórico. Os pés deformados das jovens chinesas representavam as relações de gênero, posições sócio-simbólicas de homens e mulheres no Oriente. A prática tinha arreigo a valores da tradição, o que representava cultura e modus vivendi na China.
Entre os trombiandeses estudados pelo etnólogo Bronislaw Malinowski, em A Vida Sexual dos Selvagens a feiúra, (dentro dos padrões estéticos consensualmente aceitos na tribo) é como uma maldição, ela é castigo por violação de tabus. Quando a pele apresenta feridas, úlceras, erupções cutâneas, micoses, tal evento é associado a comer peixes proibidos, entre outros tabus. A feiúra na Melanésia é repulsiva, os trombiandeses têm medo dela, tanto que ela está relacionada à morte, neste caso, ao luto: Em face da dor ocasionada pela perda de um ente querido, seus familiares raspam a cabeça a fim de tornarem-se “feios”. “Enfeiar-se” é a transformação exterior imposta pelo luto. A cabeça é raspada, o corpo enegrecido com uma espessa camada de sebo misturada com carvão, vestes são incolores e deliberadamente manchadas, nenhum ornamento é usado, assim como nenhum perfume - esses são os sinais exteriores, corpóreos pelos quais os melanésios exprimem a dor.
“Embelezar-se” entre os melanésios é uma prática mágica, eles o fazem através de “magias da beleza”, práticas de ornamentar o corpo que incluem furar e dilatar a orelha, enegrecer os dentes com sebo e carvão, raspar as sombrancelhas, barba entre outros pelos com folha de obsidiana ou caco de vidro e, nas iniciativas eróticas, arrancar os cílios com os dentes.
Já Entre as mulheres afegãs, o rosto é essencialmente erótico e, ainda nos dias de hoje, é proibido mostrá-lo sendo obrigatório o uso pelas mulheres da “burka”, que cobre cabeça rosto e ombros, evento que inspirou coleções de Alexander Macqueen e Hussein Chalayan.
Os chineses, em seus primeiros contatos com o homem europeu, o acharam extremamente feio, com olhos redondos que eram como olhos de cachorro. Os trombiandeses da Melanésia, também achavam o homem ocidental repulsivamente feio, com olhos grandes como poças d'água, os cabelos finos e lisos que envolvem a cabeça como fios de im (fibra do pântano, usada para fabricar cordas), nariz cortante como lâmina de machado e pela branca como a de albinos.
Todas as culturas produzem rituais, tabus, modelos, até princípios de beleza que dizem respeito diretamente ao seu ethos e ao seu modus vivendi. Devemos salientar que a maior parte das culturas, até o século passado, era etnocentrada, isto é, tinha como referência e padrões de belo, de certo e de crenças, a sua própria cultura.
CONCLUSÃO
Se atualmente o padrão de beleza reificado pelo fenômeno moda apresenta mulheres esqueléticas de 1,80m, com rostos encovados, e se esse padrão é tomado como modelo desde o México até o Japão, passando pelo Brasil e países baixos, não é pela admiração e eleição consensual de tal modelo, não significa que em termos estéticos os diferentes povos e culturas não são mais etnocentrados, e sim que, o modelo étnico que prevalece no mundo contemporâneo, é o modelo da etnia dominante, neste caso, dos detentores do poder econômico, já que o poder está nas mãos de quem domina a economia de mercado.
O modelo anglo-americano de mulheres alvas de olhos claros, com altura superior a 1,75m e vinte quilos a menos que o normal é o padrão étnico predominante, mais nos Estados Unidos que na própria Europa, motivo pelo qual, em meio à diversidade cultural, de biótipos, de estética, de artifícios de beleza, este padrão sobrepõe-se aos demais e torna-se aceito como o padrão de beleza contemporâneo.
Mundo afora, mexicanas de quadris arredondados, cinturas finas e longos e grossos cabelos negros, lançam mão de dietas, lipoaspiração, vômitos, descoloração de cabelos e clareamento da pele, na tentativa de alcançar o padrão anglo-americano. A atriz mexicana Salma Hayek, uma das mais belas mulheres do cinema dos anos 90, possuía naturalmente coxas grossas, quadris arredondados, nádegas salientes, longos e grossos cabelos negros e um sinuoso contorno de corpo invejável. Ao tornar-se estrela de Hollywood, perdeu cerca de 10 quilos, diminuiu quadril, nádegas e coxas, cortou e alisou os cabelos com chapinha e clareou a pele. Perdeu sua beleza única e invejável para tornar-se mais uma boneca insípida de Hollywood, aderindo à estética em moda.
Os padrões étnicos dominantes na moda no decorrer do século XX ilustram relações de poder hierarquicamente estabelecidas na sociedade moderna. Se até os anos 50, em meio ao pós-guerra, prevalecia na moda o padrão norte-americano/europeu, ou padrão da sociedade judaico-cristã ocidental, a inserção de novos padrões étnicos de beleza na moda, significa que certas fronteiras políticas e culturais têm se dissolvido e se reformulado nas últimas décadas do século XX. A moda não foi razão para essas reformas, mas antecipou a elucidações dos signos desta em seu repertório estético, como vemos nas criações dos designers de moda eXtrema.
A função da grande indústria da moda (leia-se moda como mercado) no mundo atual é, entre outras coisas, consolidar um padrão hegemônico de estética. Diana Vreeland salientava que a função da moda era fazer com que uma mulher ouvisse sobre sua “aparição” em público: - “Ela está linda, simplesmente deslumbrante”.
Parte de nosso sonho de consumo em relação à moda é, assim como em culturas primitivas, sofrer a transformação, construção estética do corpo para integrar-nos ao padrão de imagem vigente - Seja jovem, magra e alta, seja bela... Esteja na moda!
A moda é explosão do desejo e poder femininos de transformar uma mulher no objeto de seus sonhos. Tal qual os povos primitivos, a ornamentação de corpo que se converte em arte, tem por objetivo inicia transformar o Homem em objeto de arte. O corpo modificado nos dias de hoje, é pois esculpido pela moda.
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