As mulheres com mais de 50 anos estão realizadas e cheias de si
Quem diria! As cinquentonas de hoje são mulherões: com tudo em cima e superdesejadas
Publicado em 04/10/2013
Bell Kranz
Kim Basinger, Demi Moore e Michelle Pfeiffer (em cima); Maitê Proença, Christiane Torloni e Sharon Stone (em baixo)
Foto: Getty Images; AgNews
Foto: Getty Images; AgNews
Garotas de 20, 30 anos - as lindas incluídas - morram de inveja (a boa, por favor, do tipo que impulsiona para a frente) das mulheres que passaram dos 50. Elas já não dispõem do atraente frescor, da poção mágica que é o viço da pele, os seios já não possuem a mesma densidade, os cabelos não são os mesmos, enfim, o físico de modo geral perdeu a integridade de outrora. Mas elas estão arrasando! Felizes "dans sa peau", como dizem os franceses, e megadesejadas.
Como assim? É isso o que ELLE se perguntou diante de tantas evidências em desfile na mídia e nas ruas. Entre celebridades de fora, a lista é generosíssima: Sharon Stone, Susan Sarandon, Kim Basinger, Inès de La Fressange, Madonna, Carine Roitfeld. No Brasil, Maitê Proença, Luiza Brunet, Consuelo Blocker... Elas ocupam, com segurança, liberdade e leveza, espaço em todos os territórios - na profissão, na vida social, no papel de viajantes, cidadãs, amigas, namoradas de homens mais jovens ou mais velhos ou sem namorados, mas sempre com as rédeas de sua vida firmes nas mãos. Nos Estados Unidos, as beldades bem posicionadas na casa dos fifties ganharam até um título: "swifties" (neologismo para solteiras com mais de 50).
É um fenômeno, considerando que até há pouco tempo a mulher, quando entrava na menopausa, não contava nem para o marido porque era vergonhoso. O fim da capacidade de procriar significava o fim do seu sentido de ser. Nem o consolo de uma terapia restava a essa infeliz, segundo o próprio pai da psicanálise. Freud, conta a psiquiatra Iraci Galias, acreditava que nessa idade a mulher era incapaz de viver uma reconstrução psíquica e não tinha mais nem flexibilidade física!
Para entender o fenômeno da cinquentona sortuda de hoje, é preciso voltar 10 mil anos atrás, como mostra estudo da cientista social e diretora do Núcleo Xamã, centro voltado ao consumo aplicado ao mercado, Valéria Brandini. Mas dá para ser ligeiro nessa "viagem" e, no final, concluir o inimaginável: a maternidade, essa dádiva reservada à mulher, foi também razão do seu histórico infortúnio, encarnando um ser inferior ao homem.
DEZ MIL ANOS ATRÁS
Na pré-história, enquanto os povos nômades se alimentavam com o que viam pela frente (com a mulher, portanto, ainda a léguas de distância de uma boca de fogão), tudo parecia tranquilo para ela. Bastou o homem se fixar na terra e começar a desenvolver a agricultura para o destino da mulher ser traçado. Ela passa a ser aprisionada em casa e com tudo o que existe dentro. "A fantasia da mulher sexo frágil e sinônimo único de mãe foi criado ali", afirma Valéria. Isso porque, nos tempos de vida nômade, imperava certa promiscuidade nas relações, em que a mulher engravidava e não se tinha noção de quem. Quando surgiram a moradia fixa e a divisão social do trabalho para organizar a agricultura, os filhos se transformaram na força de trabalho. Assim era preciso ter muito claro quem era pai de quem. As mulheres, como geradoras de filhos, viraram moeda de troca! Os pais entregavam suas filhas a homens de outros grupos, que as engravidavam, engravidavam e engravidavam. Quanto mais filhos, mais força de trabalho, mais poder. Em consequência, a mulher ficou à margem do conhecimento das novas habilidades técnicas, dos avanços da agricultura, do aprendizado. Dali em diante, ela passou a viver grávida ou amamentando. "Fazia sentido, portanto, a mulher não poder trabalhar", diz Valéria.
As primeiras doutrinas religiosas monoteístas deram aquela força à ideologia da época, 5 mil anos atrás, consolidando a ideia da mulher não só como um ser menor mas também nefasto. A associação com a mãe natureza, pela capacidade feminina de gerar a vida, incluía aspectos negativos dos fenômenos naturais, como ser imprevisível, incontrolável e até letal.
Onde acontece a virada? Quando a mulher começa a se apropriar da força de trabalho, por exemplo. Mais do que ganhar autonomia financeira, ela adquire o que Valéria chama de "autonomia existencial". Outro marco: a chegada da pílula nos anos 1960, que devolve a ela, após 10 mil anos, o controle da natalidade - agora, o homem tem que pedir para ter um filho. O direito ao voto e a possibilidade do desquite também foram fundamentais para o upgrade no status feminino. Experimentar essas mudanças é o que propiciou à mulher chegar hoje às cinco décadas de vida como esse mulherão invejável. "Quem vive a transformação se transforma", diz Valéria.
A HORA DO CLIQUE
"Cinquenta anos é um marco para a mulher. Ocorre o que eu chamo de clique", diz Mirian Goldenberg, antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que traça o perfil dessa mulher com base numa ampla pesquisa feita com brasileiros de 18 a 90 anos, em que abordou corpo, envelhecimento e felicidade, que será lançada este mês no livro A Bela Velhice. O estudo mostra que aos 40 a mulher faz um investimento enorme para retardar o envelhecimento - e haja protetor solar, cremes e malhação. Aos 50, o medo de envelhecer ainda aparece, mas com ele começa um discurso que se fortalece aos 60 e 70 anos: o discurso da libertação! É o momento em que ela, que passou a vida cuidando dos outros - casa, filhos, marido e pais -, sempre voltada para fora, preocupada com o que as outras pessoas pensam, vira o jogo e coloca o foco em si, na sua vontade. A medicina, a tecnologia e o avanço de vários campos são grandes aliados. "O fato de estar fisicamente bem, com a segurança que vem com a idade e a experiência faz da mulher de 50 hoje um furacão", diz a blogueira Consuelo Blocker, que está nos 49, mas há dois anos diz que tem 50 porque não faz diferença. "Já arredondei na minha cabeça."
Essas mulheres se cuidam, têm medo de engordar e, pasme!, não fazem plástica, mostra o estudo de Mirian, mas pequenas intervenções, o que chamam de correção. "As que mexem muito no rosto representam uma minoria, são as que aparecem na mídia." Jerry Hall, em entrevista a ELLE, disse que foge à regra: "Sou contra a plástica. A mulher deve se permitir envelhecer". Existem os tipos extremos: a que disfarça os 50 e se traveste de teen e a que desiste da vaidade e se mostra mais velha do que é. "Ambas estão aprisionadas. A primeira no modelo que o mercado define como bonito, o da Lolita, e a outra no modelo antigo, que ela conhece", diz Iraci. A mulher que está no meio "diz que pela primeira vez se sente livre e passa a ser ela mesma", conta Mirian. É o momento que Carl Jung chama de "segunda metade da vida", afirma Iraci, quando "se dá o processo psicológico mais importante, da busca da identidade profunda de quem se é e de poder se assumir mais livremente"
Como assim? É isso o que ELLE se perguntou diante de tantas evidências em desfile na mídia e nas ruas. Entre celebridades de fora, a lista é generosíssima: Sharon Stone, Susan Sarandon, Kim Basinger, Inès de La Fressange, Madonna, Carine Roitfeld. No Brasil, Maitê Proença, Luiza Brunet, Consuelo Blocker... Elas ocupam, com segurança, liberdade e leveza, espaço em todos os territórios - na profissão, na vida social, no papel de viajantes, cidadãs, amigas, namoradas de homens mais jovens ou mais velhos ou sem namorados, mas sempre com as rédeas de sua vida firmes nas mãos. Nos Estados Unidos, as beldades bem posicionadas na casa dos fifties ganharam até um título: "swifties" (neologismo para solteiras com mais de 50).
É um fenômeno, considerando que até há pouco tempo a mulher, quando entrava na menopausa, não contava nem para o marido porque era vergonhoso. O fim da capacidade de procriar significava o fim do seu sentido de ser. Nem o consolo de uma terapia restava a essa infeliz, segundo o próprio pai da psicanálise. Freud, conta a psiquiatra Iraci Galias, acreditava que nessa idade a mulher era incapaz de viver uma reconstrução psíquica e não tinha mais nem flexibilidade física!
Para entender o fenômeno da cinquentona sortuda de hoje, é preciso voltar 10 mil anos atrás, como mostra estudo da cientista social e diretora do Núcleo Xamã, centro voltado ao consumo aplicado ao mercado, Valéria Brandini. Mas dá para ser ligeiro nessa "viagem" e, no final, concluir o inimaginável: a maternidade, essa dádiva reservada à mulher, foi também razão do seu histórico infortúnio, encarnando um ser inferior ao homem.
DEZ MIL ANOS ATRÁS
Na pré-história, enquanto os povos nômades se alimentavam com o que viam pela frente (com a mulher, portanto, ainda a léguas de distância de uma boca de fogão), tudo parecia tranquilo para ela. Bastou o homem se fixar na terra e começar a desenvolver a agricultura para o destino da mulher ser traçado. Ela passa a ser aprisionada em casa e com tudo o que existe dentro. "A fantasia da mulher sexo frágil e sinônimo único de mãe foi criado ali", afirma Valéria. Isso porque, nos tempos de vida nômade, imperava certa promiscuidade nas relações, em que a mulher engravidava e não se tinha noção de quem. Quando surgiram a moradia fixa e a divisão social do trabalho para organizar a agricultura, os filhos se transformaram na força de trabalho. Assim era preciso ter muito claro quem era pai de quem. As mulheres, como geradoras de filhos, viraram moeda de troca! Os pais entregavam suas filhas a homens de outros grupos, que as engravidavam, engravidavam e engravidavam. Quanto mais filhos, mais força de trabalho, mais poder. Em consequência, a mulher ficou à margem do conhecimento das novas habilidades técnicas, dos avanços da agricultura, do aprendizado. Dali em diante, ela passou a viver grávida ou amamentando. "Fazia sentido, portanto, a mulher não poder trabalhar", diz Valéria.
As primeiras doutrinas religiosas monoteístas deram aquela força à ideologia da época, 5 mil anos atrás, consolidando a ideia da mulher não só como um ser menor mas também nefasto. A associação com a mãe natureza, pela capacidade feminina de gerar a vida, incluía aspectos negativos dos fenômenos naturais, como ser imprevisível, incontrolável e até letal.
Onde acontece a virada? Quando a mulher começa a se apropriar da força de trabalho, por exemplo. Mais do que ganhar autonomia financeira, ela adquire o que Valéria chama de "autonomia existencial". Outro marco: a chegada da pílula nos anos 1960, que devolve a ela, após 10 mil anos, o controle da natalidade - agora, o homem tem que pedir para ter um filho. O direito ao voto e a possibilidade do desquite também foram fundamentais para o upgrade no status feminino. Experimentar essas mudanças é o que propiciou à mulher chegar hoje às cinco décadas de vida como esse mulherão invejável. "Quem vive a transformação se transforma", diz Valéria.
A HORA DO CLIQUE
"Cinquenta anos é um marco para a mulher. Ocorre o que eu chamo de clique", diz Mirian Goldenberg, antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que traça o perfil dessa mulher com base numa ampla pesquisa feita com brasileiros de 18 a 90 anos, em que abordou corpo, envelhecimento e felicidade, que será lançada este mês no livro A Bela Velhice. O estudo mostra que aos 40 a mulher faz um investimento enorme para retardar o envelhecimento - e haja protetor solar, cremes e malhação. Aos 50, o medo de envelhecer ainda aparece, mas com ele começa um discurso que se fortalece aos 60 e 70 anos: o discurso da libertação! É o momento em que ela, que passou a vida cuidando dos outros - casa, filhos, marido e pais -, sempre voltada para fora, preocupada com o que as outras pessoas pensam, vira o jogo e coloca o foco em si, na sua vontade. A medicina, a tecnologia e o avanço de vários campos são grandes aliados. "O fato de estar fisicamente bem, com a segurança que vem com a idade e a experiência faz da mulher de 50 hoje um furacão", diz a blogueira Consuelo Blocker, que está nos 49, mas há dois anos diz que tem 50 porque não faz diferença. "Já arredondei na minha cabeça."
Essas mulheres se cuidam, têm medo de engordar e, pasme!, não fazem plástica, mostra o estudo de Mirian, mas pequenas intervenções, o que chamam de correção. "As que mexem muito no rosto representam uma minoria, são as que aparecem na mídia." Jerry Hall, em entrevista a ELLE, disse que foge à regra: "Sou contra a plástica. A mulher deve se permitir envelhecer". Existem os tipos extremos: a que disfarça os 50 e se traveste de teen e a que desiste da vaidade e se mostra mais velha do que é. "Ambas estão aprisionadas. A primeira no modelo que o mercado define como bonito, o da Lolita, e a outra no modelo antigo, que ela conhece", diz Iraci. A mulher que está no meio "diz que pela primeira vez se sente livre e passa a ser ela mesma", conta Mirian. É o momento que Carl Jung chama de "segunda metade da vida", afirma Iraci, quando "se dá o processo psicológico mais importante, da busca da identidade profunda de quem se é e de poder se assumir mais livremente"
http://mdemulher.abril.com.br/bem-estar/reportagem/viver-bem/mulheres-mais-50-anos-estao-realizadas-cheias-si-756180.shtml