sábado, 1 de agosto de 2009

O JOVEM, A TENDÊNCIA E O MERCADO:

A Juventude como Criadora e Disseminadora de Tendências de Consumo
Uma Perspectiva Antropológica.





Dado que a partir da segunda metade do século XX a juventude como conceito tornou-se o topo da pirâmide da moda e o universo simbólico juvenil da rua tornou-se base para o processo de criação e comercialização da roupa, a mudança na estruturação interna dos grupos juvenis ocorrida na última década do século XX merece aqui ser abordada para a compreensão das mudanças nos códigos de moda e de diversas categorias de consumo nos dias de hoje.
É necessário conhecer o valor simbólico dos signos estéticos usados como código de indumentária, de estilo e de comportamento pela juventude, para se compreender porque estes convertem-se em novos padrões de moda e consumo.
A moda, aqui entendida como um sistema de produção e produção de tendências que orienta a produção e consumo de uma infinita categoria de bens, entre elas o vestuário, “colou” na juventude e é no bojo das reformulações operadas por esta que o conceito de moda e as perspectivas de consumo se recriam constantemente.
Imaginemos o movimento punk sem a composição indumentária que marcou o estilo , as calças rasgadas, braceletes com rebites, a costomização (o do it yourself) nas roupas... Agora imaginemos os anos 80 sem os cabelos repicados e armados com gel, os acessórios em couro e rebites, a maquiagem pesada e as tatuagens em ascensão. Fica evidente o encadeamento dos eventos culturais promovidos por grupos juvenis a e geração de padrões de moda adotados consensualmente.
Se não fosse Vivienne Westwood, talvez não existisse o punk, nem Londres seria a capital mundial dos grupos de estilo. Todavia, é necessário ressaltar que, se uma subcultura juvenil agregadora de significados como o punk, produtora de ideologia, consumo; união entre jovens revolucionou modos de ser, pensar e fazer nos anos 70/80, (orientando entre tantas instâncias, a moda), no fim do segundo milênio, é a disjunção de estruturas de significados, a desterritorialização de universos simbólicos e ideológicos e a randômica mutação de modus vivendi que caracterizam os grupos juvenis, a sua produção cultural e a influência que esta exerce sobre a sociedade contemporânea.
É impossível imaginar o que seriam as subculturas juvenis dos anos 60/70/80, se lhes fosse extraído o elemento “denominador comum”. A homologia que produz identidade, comunhão e diferenciação tem seu poder na adoção de mitos e ritos compartilhados em comum. “Ser” membro de uma subcultura juvenil encontrava sua força na dicotomia, oposição, dualidade em “não-ser” o outro, não ser o membro de uma tribo rival (punks “não eram” góticos), “não-ser” parte do lugar comum, não ser capitalista, ou católico, negar o outro para a afirmação do si.
Definição, territorialidade e oposição eram elementos estruturais que caracterizavam subculturas juvenis. A centralização de poder e convergência de interesses, associada à diferenciação eram sinais de estruturação de uma subcultura, o compromisso com uma determinada ética e estética era fundamental para “radicalizar” no sentido de manter-se fiel às doutrinas do grupo era palavra de ordem para cada grupo possuía uma identidade definida em relação à outra. A homogeneidade traduzia a idéia de subcultura da metrópole: um fragmento cuja identidade e sistema de códigos era claramente definida.
Nos dias de hoje, a idéia de subcultura cedeu lugar ao que o antropólogo Massimo Canevacci conceitua como cultura eXtrema, onde a noção de identidade é substituída pela concepção de “multividualidade”: o indivíduo múltiplo que participa de uma pluralidade de grupos, que experimenta diversas formas de ser e pensar, que transita pela desterritorialidade urbana, da experiência na web à vivência nômade da rua.
A partir desta nova pluralidade de modos de ser e viver, a juventude antes tribo, subcultura, hoje é policultura desterritorializada, os grupos que antes se utilizavam de signos estéticos específicos, consensualmente adotados para marcar sua identidade e demarcar território, hoje transitam por um universo de signos e significados mutantes.
A identidade consolidada torna-se fluida, uma multividualidade descentralizada. É nesse descentramento de estruturas de poder inerentes aos grupos juvenis que o conceito de subcultura se desmaterializa e a idéia de grupos de estilo juvenis assume novas configurações, o que era compacto e homogêneo, torna-se fluido e poli-identitário.
Segundo Canevacci, o conceito de cultura eXtrema, é baseado na idéia de cultura “exterminada”, jogando com a etimologia da palavra, o antropólogo identifica uma cultura juvenil que não se termina, que não tem fim, não tem limite, é uma condição juvenil e produção cultural comunicativa que não são termináveis.
O conceito de identidade juvenil, para o autor, é substituído pela idéia de entidade, alteridade ou avatar: sujeito mutante, mutóide, fluido, que transita entre o Eu e o Outro, que se faz objeto dos produtos que adota, que deseja tornar-se signo e que assume a metrópole como condição de existência e, cuja vivência nômade, desterritorializada encontra-se traduzida na vivência da web.
Tanto a contracultura surgida nos anos 60, quanto as subculturas ou tribos estruturavam-se a partir da relação com uma dada cultura dominante – a cultura burguesa. A idéia de hegemonia produzia movimentos de oposição, onde manifestações culturais eram agregadas em grupos diferenciados e/ou contrários às estruturas de poder dominantes.
A dissolução de categorias hegemônicas de poder que atravessa os anos 90 desarticula tal relação de confronto entre cultura dominante/cultura juvenil. Não podemos então pensar em pólos opostos, mas em estruturas de poder que competem continuamente, que transitam pela “desterritorialidade” da metrópole de forma fluida, mutante, em permanente movimento. Os movimentos efetuados no espaço imaterial das culturas juvenis atuais não obedecem mais à linearidade da oposição ou contrariedade em favor de algo, mas podem ser vistos como movimentos randômicos de uma metrópole cada vez mais caleidoscópica.
Não existe mais a idéia de subcultura como uma classe menor interna e a relacionar-se estaticamente com uma classe maior, pois a própria noção de classe (cultura) maior, é obsoleta. Multiculturalidade, descentralização de poder, heterogeneidade e competição entre núcleos rivais é a condição da cultura (latto sensu) na sociedade pós-moderna.
A concepção antropológica de subcultura, é baseada no intuito de delimitar, definir e categorizar um grupo interior a um grupo maior (ou à totalidade), a identidade é caracterizada por processos de diferenciação e individuação. A subcultura constitui portanto, um fragmento estruturado internamente, da cultura, sendo, a identidade, seu ponto de referência.
Outrora a antropologia encontrava seu ponto forte na definição e defesa da identidade, onde quanto maior a homologia, homogeneidade das estruturas, modus vivendi, características de um grupo, etnia, maior a consolidação deste grupo. Como ressalta Canevacci, na atualidade as novas correntes antropológicas devem se ater aos movimentos de fragmentação, parcialidade, desunificação e consagração da diferença.
De acordo coma a orientação científica deste trabalho, da antropologia crítica ou pós-moderna, a idéia de síntese, objetividade, identidade e generalidade, cede espaço à experimentação da subjetividade e consagração da diferença. Esta escolha metodológica serve ao propósito de analisar a cultura não mais como estrutura/sub-estrutura, mas como um todo heterogêneo de dimensões que se atravessam continuamente.
Segundo Canevacci, o sucesso anglo-saxão do termo subcultura se deve a uma leitura de Gramsci que constitui um marxismo sensível à relativa autonomia da cultura, que dizia respeito à ortodoxia, que proclamava a centralidade da estrutura sobre a sub-estrutura, esta, caracterizada como secundária, derivada. Como exemplo, um hacker desloca-se através e contra qualquer distinção política nacional, social ou territorial, desta feita, a idéia de subcultura como categoria do grupo, é inadequada.
Associada à noção de subcultura (que pode ter conotação sexual, étnica, religiosa, artística, entre outros), o conceito de juventude é aqui explorado como centro de referência para o objeto estudado - a moda em sua dimensão comunicacional e cultural na sociedade urbana contemporânea.
Se as culturas juvenis são fonte de referência para o desenvolvimento da moda na sociedade pós-industrial, é preciso indagar o que se concebe por juventude, juvenil, jovem nos dias de hoje. A definição etária para o conceito de juventude é hoje obsoleta, para além da dimensão cronológica, juventude hoje é um estado das coisas, dos indivíduos, do próprio consumo. Conforme Canevacci, o conceito de juventude se dilata, “os jovens são eXterminados”, não no sentido de que são eliminados, mas ao contrário: no senso de que a juventude não se termina, não é mais uma “passagem”, mas uma condição que se extende
dissolvendo barreiras tanto sociológicas quanto biológicas.
A juventude eXtrema assume a metrópole como condição de vida e é incorporando a metrópole, a rua, categoria aqui utilizada para definir a sociedade urbana contemporânea, que categorias como o nós social são dissolvidas. Um processo desagregador e disjuntivo, que ocorre a partir dos anos 80 no universo juvenil amplia a idéia de juventude que se infiltra nos processos de produção, consumo e comunicação da metrópole. Como exemplo, os enfants térribles da Alta Costura, John Galliano e Jean Paul Gaultier já passaram dos 40 anos...
Se outrora o adulto enquanto categoria social produzia e o jovem, alheio à produção e mercado apenas consumia, hoje, é dominando instâncias como a tecnologia, além de processos e sistemas comunicacionais que o jovem é parte fundamental do processo de produção.
A idéia de juventude se expande, concebendo, ao invés de subculturas, “multiculturasfluidas, mutantes, randômicas, em movimento constante e sem delimitações visíveis, ao que Canevacci associa, no lugar do termo indivíduo, o conceito de entidade, dado à imaterialidade dos territórios, dos processos e dos sistemas por onde transita o indivíduo (entidade) hoje.
Uma das razões preponderantes para a expansão da cultura juvenil como imagem da metrópole, é o domínio exercido pelos jovens sobre as inovações tecnológicas. A experiência da rua hoje, se espelha na experiência da web, com uma gama interminável de informações assimiladas ao click do mouse, uma transição constante de cenários, diálogos, relações e trocas flutuantes, virtuais, mutantes, infinitas, indelimitáveis.
A arquitetura de informação que compõe a web, passa a influenciar o modus vivendi e a relação juvenil na rua, não que a internet seja assumida como sistema principal de comunicação, mas a velocidade, aglomeração e sistema de transmissão de códigos na urbe assumem características cada vez mais parecidas com a vivência de web.
A despeito da teoria de Baudrillard onde as relações entre as pessoas se realizam através das relações entre os objetos, na era atual, podemos dizer que relações intra-pessoais se realizam através de relações entre máquinas, e os sistemas, codificações e processos comunicacionais destas relações se estendem para a vivência urbana.
Para se entender a complexidade do que são os grupos juvenis que vivem e constituem a rua, é necessário percebermos que a vivência juvenil urbana, ao contrário das décadas anteriores, não compreende mais o elemento síntese, ela é desagregadora e disjuntiva, fluida e mutante, desta feita, a explanação de Canevacci – juventude mutóide estudada a partir de conceitos fluidos apresenta relevante coerência.
A atual juventude eXtrema, representada no que outrora eram as subculturas juvenis não é por acaso modelo de referência para a criação da moda das últimas décadas. O romantismo-rebelde-juvenil, chave para a compreensão do conceito de juventude, aparece como a grande geração de tendências, modelos, modos de ser, pensar e mesmo consumir na sociedade moderna.
A idéia de extremo, claramente associada ao conceito de romantismo, move a vivência juvenil urbana rumo ao novo, ao inusitado, ao transgressor. Segundo Corrêa, a juventude dos anos 70 assume a ruptura como padrão, todavia, a juventude extrema dos dias atuais, flutua entre extremos, do novo ao retrô, do autêntico ao clichê. Sem compromissos ideológicos, sem visar o poder, mas como potência, ela descentraliza o poder onde o encontra e, conforme Canevacci, assume a poética em lugar do poder.

Delimito il campo della culture extreme giovanilli a quelle que si muovono disordinatamente tra gli spazi comunicativi metropolitani e scelgono di innovare confflitualmente i codici. Di smuovere i significante statici. Da produrre significati alterati. Da liberare segni fluidi daí simboli solidi. É questo flusso che, per differenziarlo da um genérico uso de estremo (sport-sesso-politica-arte) chiamo eXtremo.” (Canevacci, 1999:50)
A apropriação da tecnologia de ponta pela juventude eXtrema altera a noção de Eu/Outro, corpo/mente, humanidade/cibernética. O conceito de entidade de Canevacci traduz a experiência juvenil na rua hoje. O sujeito indefinido que, de forma fluida transita entre papéis sociais, não busca, como na era das subculturas, a identidade, mas sim, a diferença. Neste trânsito, o ethos não é definido e, antropologicamente, são as zonas in between que se tornam representações das culturas juvenis.
A corporalidade se altera, o estatuto do corpo se renova. O conceito de mindfull body expressa essa renovação, significa o corpo cheio de mentes que deixa de ser objeto da mente e a incorpora, tornando-se para-material, sujeito de experiências, semi-autônomo, ao invés de matéria-prima para representação de ideologias (como na subcultura punk ou skinhead) a sensorialidade corpórea contém mentes que experimentam a vivência na urbe.
O corpo torna-se máquina, torna-se arte, torna-se multiplicidade sexual e cultural. É nesse novo estatuto do corpo que a moda, caminhando paralelamente à cultura juvenil eXtrema, assume uma intensa, marcante representatividade na sociedade contemporânea.

Moda (consumo) Extrema E Cultura Urbana

A rua definida por Da Matta (1997:55), como: lugar da individualização, de luta e de malandragem, espaço onde relações de poder se instituem e grupos disputam territórios geográficos ou simbólicos — hoje é um espaço geograficamente desterritorializado ocupado por identidades múltiplas que transitam por espaços reais, virtuais e imaginários.
A experiência da rua está no corpo da arte, da música, da WEB. A vivência urbana contemporânea assume novos corpi, e o processo de socialização e comunicação desloca-se progressivamente ao compasso da evolução dos meios de comunicação. A rua deslocou-se para o virtual gerando experiências onde o sensorial e o comunicativo são afetados pela dimensão espacial e temporal da WEB.
A moda contemporânea, orientada por referenciais estéticos, comportamentais e de estilo derivados da rua, torna-se mais que roupa, tendência ou estilo em voga. Ela torna-se objeto de ação expressiva, de comunicação de mensagem, de transmissão de significados, não apenas referencial de status, mas forma de arte, forma de comunicação.
Ainda que a grande indústria e manipulações de mercado venham a deturpar esse sentido através da reprodução de modelos em massa, a criação da moda calcada no universo simbólico da rua, associada às diversas maneiras que os indivíduos dela se utilizam para constituir formas de representação, tornam a expressão de moda uma arte corpórea a comunicar valores. O corpo ornamentado com signos de moda pode ser visto, numa analogia às sociedades primitivas, como uma manifestação totêmica onde signos e ícones modernos são articulados na representação de um universo simbólico, o universo onde indivíduos, coletividades e a práxis cotidiana tomam forma e se comunicam.

“Sob as condições de vida impostas pela cidade, na qual os indivíduos e grupos de indivíduos, extremamente distantes em simpatia e compreensão, vivem juntos sob condição de interdependência, não de intimidade, as condições de controle social são grandemente alteradas e as dificuldades aumentadas.” (Max WEBER, in VELHO, 1967:50)
Segundo Ted Polhemus (1994:7), a alta cultura cedeu lugar à cultura popular e, neste contexto, a rua foi legitimada como um espaço de autenticidade. A sedução da rua se estriba no caminho aberto para lugar nenhum, ela representa um fim em si mesma. A cultura metropolitana produz estilos fluidos que adquirirem legitimidade entre instâncias que ditam padrões de roupa: a moda reflete a rua.
Para Roberto da Matta, (1990) a categoria rua indica basicamente o mundo, com seus imprevistos, acidentes e paixões..., implica movimento, novidade, ação, em oposição à categoria casa, que remete a um universo controlado, onde as coisas estão nos seus devidos lugares, o que subentende harmonia e calma. A vivência da “casa” é radicalmente diversa da vivência da “rua”. Ao contrário da casa, onde os grupos possuem o controle sobre o ambiente em que vivem, com hierarquias conhecidas (como na relação pai-filho), as hierarquias da rua são muitas vezes desconhecidas, despercebidas, remontando um universo de movimento, conflito, disputa, nascimento e morte. Hierarquizações múltiplas e sucessivas tomam espaço, promovendo ordenações e desordenações.
Segundo o autor, o traço distintivo do domínio da casa parece ser o maior controle das relações sociais, o que certamente implica maior intimidade e menor distância social. A rua implica falta de controle e afastamento, é o local público, regido por forças impessoais sobre as quais nosso controle é o mínimo. Nela vivem os malandros, marginais, entre outras entidades com quem nunca se tem relações contratuais precisas. Nela habita o novo, o inusitado, o transgressor, o ilimitado, o incontrolável: a vivência urbana contemporânea
Com base no conceito de rua (e suas relações sociais) desenvolvido por Da Matta, numa analogia à sociedade urbana contemporânea, vestir a rua significa, através da expressão de moda, incorporar as ‘entidades’ que constituem a metrópole a vivenciar a experiência urbana através da estética da composição indumentária.
Para além de simples vestimenta, o sistema da moda serve à função de expressão e representação das relações sociais entre indivíduos, culturas, políticas, manifestações que tomam a urbe como o espaço da experiência. Desta forma, o estilo de roupa passa a representar hierarquias, relações de poder, status, posições assumidas e partilhadas nos territórios reais, virtuais e imaginários da rua.
Diferentemente das sociedades primitivas, onde o coletivo sobressai ao individual e as relações sociais se realizam dentro de estruturas mais lineares, fixas e homogêneas, nas sociedades complexas, as atuais sociedades urbanas, o indivíduo (o átomo social) é mais importante que a sociedade (o todo). Uma marca da individualização, da personalização, da demarcação de territórios e limites é a diferenciação representada pelo código de signos representados pela composição indumentária, a composição de um estilo.
O indivíduo se autonomiza na massa e ao mesmo tempo a incorpora pela representação que faz de si mesmo, pela dramatização proposta pela forma de vestir-se, de compor um estilo, de comunicar valores sociais ou aspectos subjetivos que deseja expressar para o outro.
De acordo com Baudrillard, é através da personalização que as pessoas se definem em relação
a seus objetos, estes constituem uma gama de critérios distintivos, mais ou menos arbitrariamente catalogados em uma gama de personalidades estereotipadas (Baudrillard, 1998). É este artifício de distinção que encontramos na produção e consumo de estilos de moda.
Para Ewen (1990), o sonho da identidade que projeta no indivíduo uma realidade ambígua a partir da visualização de formas externas coexistentes, encontra no estilo o referencial de um novo significado ou circunstâncias para sua vida. Para o autor, o estilo é ferramenta da construção da personalidade. Assim, signos codificados em peças de vestuário, atuam como novas formas de expressão da subjetividade e identidade do indivíduo.
Contudo, a construção da personalidade, cuja totalidade subjetiva é superficial e fragmentada, desarticula a realidade vivencial, substituindo-a por uma construção da totalidade almejada. Isto ocorre porque há uma busca pela obtenção de um ideal de beleza e de individualidade através do estilo ― neste caso, de se vestir, de consumir objetos e nos padrões de comportamento que reinventam as formas de uso de determinados objetos.
A moda, ao promover a construção de estilos pela composição indumentária, torna o sonho da identidade e da totalidade descritos por Ewen acessíveis através do consumo. Para o autor, a expressão de uma identidade superficial através do estilo atua como forma de salvação do indivíduo da anomia, da segregação, do anonimato. Para tanto, modelos sazonais, que carregam referenciais de significados codificados no vestuário, provêm o indivíduo de uma nova forma de representação do “eu social”, o que nos remete a Baudrillard, no conceito da lógica da diferenciação (Baudrillard, 1983).
O estilo deve possuir, na justaposição de significados que determinam seu valor social, o apelo simbólico do sonho de consumo. Tais apelos encontram-se em elementos que venham a propiciar um referencial de status, da algo compartilhado consensualmente em círculos sociais como signo de distinção e que promovem a interação entre indivíduos efetuada pelo consumo da produção simbólica.

Moda E Rebeldia: A Juventude Como Conceito


Após o apogeu dos anos 50, a moda, assim como toda a sociedade ocidental é chacoalhada pela revolução juvenil dos anos 60. Embora os anos 50 tenham marcado o nascimento do rock n’roll, da geração baby boom e do consumismo juvenil, foi na década de 60 que a juventude como conceito e como revolução se consolidou.
Os anos 60 impulsionam a indústria da moda através das renovações de Courréges, a mini-saia de Mary Quant e a nova concepção de “distinção” na moda apregoando a elegância modernizada, destituída de rigidez, cujos representantes são Yves Saint Laurent, com suas formas A, Y e X, Pierre Cardin e seus vestidos tubinho com estampas geométricas marcam uma nova sensualidade e Paco Rabanne investindo em inovações nos materiais utilizados. O prêt à porter se consolida não apenas pelo desejo de modernização por parte dos costureiros e de ampliação dos horizontes da Alta Costura, mas por necessidades econômicas por parte das maisons, que levou à democratizar o sistema. Segundo Vincent-Ricard:
“O sucesso de adaptação da Alta Costura à fabricação em série se deve basicamente à confiabilidade do instrumento industrial que busca atingir. É preciso criar um sólido vínculo entre a imaginação do costureiro e as limitações de uma fabricação que não permite retoques.” (VINCENT-RICARD, 1986:71)
Paralelamente às reformulações da moda, desde os anos 40, grupos de estilo juvenis se formavam em torno das esquinas das grandes metrópoles norte-americanas e européias, à margem da moda, do stabilishment e da vida adulta. Quanto mais pesasse a origem minoritária, mais forte era o grupo. Os Zooties nos anos 40 eram jovens da minoria afro-americana que usavam roupas feitas de tecidos caros e acessórios luxuosos que ‘falavam através da roupa’ de sua etnia, sua identidade e sua posição na sociedade.
A estrutura tão organicamente entrelaçada do universo destes grupos
[1], que refletia a visão de mundo e sentimentos que eram expressos na composição indumentária, constituiu as bases da formulação da ideologia do grupo de estilo. Através da ideologia, os seus membros desenvolveram práticas próprias de socialização dentro do grupo, criaram suas roupas, seus rituais e produziram uma estética própria, peculiar.
A ideologia representada na composição indumentária reuniu estes jovens em torno de valores compartilhados pelo grupo de estilo e se efetuou concretamente na prática de seus rituais. Sem perspectivas com relação a fins determinados (como objetivos políticos ou projetos sociais), o que importava ao grupo eram os meios
[2] o objetivo é o “estar junto”, o compartilhar a vida cotidiana de acordo com leis e regras de conduta próprias do grupo enquanto comunidade.
Neste sentido, o grupo se estabelecia através de uma noção de ética comunitária descentralizada, fundamentada em um território cujo espaço é o âmbito “emocional”, o lazer e o prazer em compartilhar os mesmos valores através de manifestações rituais (criar sua imagem através da roupa, reunir-se nas esquinas, dançar em clubes), produzir uma identidade própria e expressá-la através da composição estética. Portanto, a estética (o visual adotado pelo grupo) tornava-se um meio de experimentar, de sentir em comum, um meio também, de reconhecer-se. “A teatralidade instaura e reafirma a comunidade”
[3]
Os jovens produziram sua estética e ética comunitária através da sua imagem, ‘sua moda’. Eles produziram seus bens simbólicos, suas roupas, suas práticas sociais quotidianas, seu comportamento, sua música, seus rituais e lazer de acordo com padrões instituídos e caracterizados pelo estilo do grupo. Os signos presentes nas roupas e práticas mencionados representam na verdade, uma forma de diferenciação.
Essa ‘moda’ subversiva, que simboliza transgressão a padrões consensualmente aceitos pela sociedade, funda-se na necessidade de afirmação do grupo enquanto culturalmente independente dos mais velhos, isto é, decorre da necessidade de transgressão e auto-afirmação por parte de uma juventude que se encontra submetida a um sistema de práticas e valores, social e economicamente padronizado, criado por gerações que os antecederam.
Diante de um sistema anterior à sua existência e não escolhido por eles, os membros do grupo de estilo sentem-se limitados quanto à liberdade de expressão e escolha, pois não estão representados e legitimados enquanto classe ou grupo devidamente reconhecido pela sociedade. A identidade destes jovens é concebida pela “sociedade adulta” segundo uma definição etária e aceita socialmente como transitória. Isso significa que, mudança, de criação de uma identidade própria através da roupa deriva do sentimento de opressão gerado quando os jovens deparam-se com regras e valores que não foram escolhidos por eles. Daí a busca pela liberdade de criar seu próprio sistema, seu universo, a marca de sua identidade.
Até a primeira metade do século XX, a juventude era apenas um estreito segmento entre a infância e a vida adulta. Os adolescentes vestiam-se como crianças até mais ou menos 14 anos e depois eram vestidos como mini-adultos. A partir da geração baby boom, a juventude consolidou-se como fenômeno, não apenas pela sua representatividade social, mas, sobretudo pelo impacto comercial causado pela instauração de um novo agente e uma nova forma de consumo o consumo juvenil o jovem como consumidor foi um fenômeno não apenas na geração de uma enorme demanda, mas principalmente porque a cultura juvenil de consumo passou a “criar, produzir” bens simbólicos que reestruturaram, entre outros sistemas, a moda.
Até o século XIX, o próprio conceito de infância era inexpressivo. As crianças eram tratadas como mini-adultos e entre as classes sociais mais privilegiadas, eram criadas separadamente do universo dos adultos, pois se acreditava que a convivência com os adultos era nociva aos pequenos. Quando adolescentes, estes eram incluídos na vida adulta e assumiam a vida produtiva, inseridos no universo do trabalho e das responsabilidades, a exemplo das garotas que se casavam aos quinze anos e aos garotos que com a mesma idade assumiam a responsabilidade por seus genitores.
Constata-se que até pouco tempo atrás, na história da humanidade, apenas a vida adulta era reconhecida como fase produtora e consumidora. Em menos de um século e meio, instaurou-se o conceito de infância; há meio século, o conceito de juventude e há poucas décadas constatou-se o poder do adolescente produtor e consumidor.
A idéia de juventude revolucionou a moda porque primeiramente revolucionou a sociedade ocidental e a moda reflete em seus usos e desusos o que de mais marcante ocorre numa sociedade num dado momento sócio-histórico. Não foi a moda que trouxe o universo juvenil para suas passarelas e projetou uma dada forma de vestir-se para o mundo. Foi a juventude como fenômeno histórico-social do século XX que, com o universo de imagens e signos trazidos no bojo da sua revolução, inseriu-se, rearticulou e transformou instâncias produtoras de significado
da segunda metade do século XX, entre as principais, a moda.
Conforme Anne Hollander, a moda é como uma entidade autônoma que segue paralelamente à evolução da sociedade ocidental e guia o que designers, stylists e artistas produzem. Outras correntes de pensamento defendem a idéia de que o mercado é quem dita a moda, é quem a formula e manipula segundo conveniências comerciais, de matérias primas e de escoamento de produção.
Pensemos que a partir do século XVIII, quando o capital assumiu o poder antes pertencente à monarquia, a moda, antes monopólio da nobreza, tornou-se gradualmente monopólio dos detentores do capital e manipuladores da então emergente economia. Assim como a música e a pintura floresceram junto às sociedades detentoras do poder tal qual a arte dos grandes mestres pintores como Rafael e Michelângelo que retrataram o universo da religião católica, detentora do poder em sua época a moda enquanto sistema produtor e reprodutor de significados imediatos ao momento presente tende a desenvolver-se junto ao poder que impera em seu tempo, a saber, nos últimos três séculos, o poder econômico, traduzido em indústria e mercado.
Contudo, nem a moda possui uma absoluta autonomia existencial, nem tampouco é produto exclusivo do mercado e do capital. Ela é um sistema de significados que corre paralelamente aos eventos mais importantes, às sociedades mais poderosas, às culturas hegemônicas e às estruturas de poder que imperam em uma dada época. A moda é a vitrine da evolução das sociedades ocidentais, espelha tanto a ostentação dos centros mais poderosos quanto reflete a inquietude dos excluídos. E veste a sociedade de si mesma, de sua evolução tecnológica, de sua sexualidade, de sua pobreza, de suas guerras e dos significados do imediato, do presente que dificilmente conseguimos alcançar e por isso, talvez, se siga a moda, por esse sentir que não mais alcançamos o nosso tempo.
A importância da juventude como expressão de moda a partir dos anos 50-60 está justamente em expressar essa constatação, a de que a moda é um sistema agregador de significados do presente imediato, das coisas e eventos as quais talvez não entendamos a importância no presente, mas que se fazem expressar e representar através do que a moda traz à voga. Por isso, a história da moda é importante para a compreensão da história das sociedades ocidentais, ela espelha os signos e elementos adotados ao vestuário e que compõem o estilo de uma dada época, quando os significados dos mesmos ainda estavam por ser ‘digeridos’ pelos usuários desta moda.
É possível imaginar o século dezessete sem pensar nas longas perucas, nos chapéus, nos gibões bordados e nas espadas embainhadas dos homens da época? A moda se fez referência histórica ao ser retratada através da pintura e de outras artes e trazer aos olhos do futuro os signos e referências estéticas através dos quais podemos ‘ler’ o século dezesseis. Ao observarmos os requintes dos detalhes dos reis e nobres da monarquia francesa, vemos os signos do poder absoluto, a suntuosidade que marca o reinado de Luís XIV e de Luís XV e ‘lemos’ as relações de poder por trás destes signos, a estratificação social e as hierarquias marcadas por detalhes do vestuário, que talvez, na época, nobres e cortesãos usavam simplesmente ‘por moda’ mas não imaginavam estar expondo tão explicitamente através da simples adoção de um ornamento. Assim também funciona na contemporaneidade. Na moda dos anos 20, dos anos 40, dos anos 60 onde o poder juvenil fez-se presente em uma nova fase para sociedade assim como para a moda.
“What specifically does a subcultural style signify to the members of the subculture themselves? The answer was that the appropriated objects ensembles were ‘made to reflect, express and ressonate aspects of group life. The objects chosen were, either intrinsically or in their adapted forms, homologous with the focal concerns, activities, group structure and collective self-image of the subculture. They were objects in which the subcultural members could see their central values held and reflected” (Hall, in HEBDIGE, 1979:114)
A partir dos anos 60, portanto, significados de juventude foram atribuídos à grande indústria da moda e esta ganhou terreno enquanto fenômeno social, cultural e de mercado. O estilo de roupa urbano juvenil tornou-se uma referência forte na criação de designers renomados. A relação entre a moda e a experiência urbana contemporânea, que neste trabalho denominamos “rua”, confere novas dimensões a ambas as categorias.
Quando Mary Quant “inventou” a mini saia, sua preocupação era que as garotas de sua idade não se ‘parecessem com suas avós’. Enquanto muitos na década de 60 viam a elegância e femininidade de Dior e Balenciaga nos anos 50 com olhos ainda maravilhados, os jovens viam com outros olhos achavam a moda conservadora, classe média e muito, muito velha Quant, que não era ‘couturier’ queria que as garotas mantivessem seu charme juvenil ao invés de se tornaram ‘feias e chatas’ como a maioria dos adultos, ela começou a desenhar seus modelos ainda nos anos 50, seus vestidos curtos e folgados e sueters apertados lembravam os uniformes das colegiais e era o que o que os jovens queriam perecer-se com o que realmente são. (WILSON, 1986)
A disputa entre Courréges e Quant pela invenção da minissaia prevalece até os dias de hoje, contudo, enquanto Quant criava roupas para jovens em geral e não apenas aqueles mais abastados, Courréges trabalhava junto à grande indústria da moda, criando, não apenas roupas para jovens, mas, principalmente, roupas para as ricas mães de jovens que adoraram a idéia de se parecerem com suas filhas ao adotarem, de forma mais glamourosa, a minissaia e vestidos curtos.
Courréges é tido como o maior cirurgião plástico dos anos 60, através de suas criações, ele colocava mulheres de 40 anos em meninas de 20, por causa dos centímetros que adicionava entre o corpo e o vestido. Visionário, ele acreditava que a mulher moderna envelheceria num corpo jovem, por isso a roupa do futuro deveria ser muito colada ao corpo.
A imagem de juventude decisivamente ganhou o mercado a partir dessa década. Não importava se você era adulto, mas deveria parecer jovem. Entre os jovens ‘de fato’, a idéia de acúmulo de propriedade que é tipicamente adulta, cedia lugar ao hedonismo adolescente. A idéia era curtir a vida ao máximo e isso significava também, consumir ao máximo. Contudo, o ‘budget’ juvenil era muito inferior ao dos adultos, os garotos queriam então, uma moda que fosse ao encontro das suas expectativas de estilo de vida.
Não demorou a se formar um nicho de mercado voltado ao jovem, com a moda encabeçando tendências de consumo. Nesse momento, a exemplo da idéia de Mary Quant, não apenas o jovem queria parecer jovem, mas os adultos, a sociedade em geral passou desejar vorazmente o mesmo. Adolescentes não queriam, como em décadas anteriores, parecer com suas mães. Agora as mães queriam perecer com as filhas. Não por coincidência o ícone de moda da época, era a imagem pubertária da magricela modelo Twiggy.
Em pleno século XXI a moda continua tendo a juventude como referencial estético e de atitude, contudo, é o conceito de juventude que é reformulado nos anos 90.

O Jovem como Ícone do Consumo Contemporâneo


Trabalhando como pesquisadora de macro e micro tendências socioculturais de consumo, tenho acompanhado a evolução constante da juventude como disseminadora de tendências, das crises familiares onde adolescentes déspotas definem os padrões de consumo das casas até a observação dos novos padrões de usabilidade de eletrodomésticos que são rearticulados por pubertários que querem se divertir, o jovem assumiu uma fração determinante na criação e disseminação de práticas de consumo no mundo todo. Se o marketing contemporâneo diz que o consumidor é rei, o jovem tem em seu principado, cada vez mais o poder de definir o que outras categorias etárias irão consumir.
Não é à toa que grandes empresas desde a telefonia celular até montadoras de automóveis têm se voltado a buscar compreender a estrutura de pensamento e motivação juvenil para com isso gerar novas estratégias para o lançamento de produtos e o posicionamento de marcas, eles perceberam que aquilo que os departamentos de inovação e desenvolvimento de produtos batalham laboriosamente para criar, o jovem cria num piscar de olhos apenas para se divertir: desde um uso mais original do celular (enviar os sms´s que acabaram gerando os blackberries) até as formas de utilização da internet para divulgação de eventos e produtos numa linguagem mais etnocentrada (os blogs), passando pelo revival de tendências retrô de eletrodomésticos, de acessórios, de consumo de bebidas e alimentos, de customização de veículos, de preferências literárias, de criação e consumo musical e televisivo, de vestuário e de modificação corporal (o body modification dos piercings, tatuagens e brandings) entre tantas outras práticas, padrões e produtos de consumo.
Já que não desfrutam do poder de escolha das coisas que são determinantes em suas vidas ― moradia, escola, uso do dinheiro entre outros ― decisões que cabem aos pais, eles precisam encontrar formas de destilar toda a stamina juvenil gerada tanto pelos hormônios quanto pelo processo de formação da personalidade, onde a mencionada ruptura para com os padrões paternos é, longe de um ato de violência, mais uma necessidade saudável de auto-afirmação pelo processo de escolhas autônomas.
Mas se não podem escolher as coisas determinantes, o que podem escolher? É simples: Tudo aquilo que se encontra à sua volta, como objetos de consumo pessoal, a roupa, a ornamentação
de corpo, o Ipod, o celular, a revista em quadrinhos, a música, as bandas, as leituras, o lanche na rua, a ornamentação do quarto e tudo o que inclui cultura pop e consumo imediato. Essa "pulsão" por criar o seu entorno e se recriar a si mesmo a cada minuto é o que gera a interminável sequência de fads, micro tendências antropológicas que se sucedem constantemente no universo juvenil e que são expropriadas pelo grande mercado, concebendo inovação e diversidade às mais diversas categorias de produtos, contribuindo para a constituição de novas tendências de consumo. Essas possíveis escolhas se concretizam, na maior parte das vezes, numa rearticulação dos usos e significados dos produtos, tornando aquilo que é feito por e para os adultos, adequado aos adolescentes e então vemos surgir as novas modas do vestuário, da tecnologia, da música, da arte, dos alimentos, dos comportamentos urbanos. Já que a moda (inclua-se aí também outras categorias de bens para além do vestuário que estão em voga) funciona num movimento de trickle down - isto é, (feita para os impossivelmente ricos, impossivelmente magros e impossivelmente jovens) ela tem a disseminação de sua tendência efetuada num movimento por meio do qual quanto mais passado o tempo, mais ela começa a ser assimilada por outras classes sociais por meio de cópias e arremedos do produto inicial, esse ciclo mercadológico necessita constantemente de renovação, faz-se então necessária, a reciclagem estética e conceitual dos produtos numa velocidade cada vez maior.
E qual seria a maior fonte contemporânea de inovações, rearticulações, conceitos, padrões e estilos? A resposta é fácil: o inquieto, efervescente e mutante universo dos significados, estética e práticas juvenis. É nesse momento que a Antropologia da Juventude, associada à Antropologia do Consumo e à Sociologia converte-se na ferramenta mais eficaz para Pesquisa de Tendências, pois consegue apreender as raízes socioculturais de cada tendência emergente, a dinâmica dos grupos, o processo de disseminação das tendências e prospectar o caminho que estas percorrerão, permitndo a análise e previsão do curso das mesmas, ao mesmo tempo em que consegue desenvolver conceitos para traçar estratégias mercadológicas a fim de trabalhar a essencia destas tendências na produção e comercialização dos mais diversos produtos. Atualmente, a partir da Antropologia do Consumo, trabalhamos não apenas na prospecção das tendências e nas pesquisas qualitativas, mas também atuamos no processo de análise e decupagem destas tendências e padrões de consumo (não apenas juvenis, mas de diferentes categoias sociis) a fim de, compreendendo suas estruturas e os códigos que as constituem, extrair seu mínimo denominador comum, sua essência e gerar formas estratégicas de atribuí-las aos bens de consumo, desde a pesquisa e desenvolvimento de produto até o marketing e a comercialização do mesmo, atuando junto as diversos departamentos e processos envolvidos para a confecção deste produto.
Em tempos de neologismos e na constatação da importância do comportamento juvenil para o mercado, vemos também o surgimento de (ditos) profissionais que se destinam a pesquisar as tendências lançadas por estes jovens que geram coisas “cool” – os coolhunters, infelizmente, uma atividade que foi nivelada por baixo, realizada atualmente por qualquer um que observe o comportamento desses jovens e (acredite) constatar quais tendências virão. Na verdade, os coolhunters eram originariamente, “antenas”, pessoas que observam comportamentos e padrões de consumo de jovens em diversos locais do globo e que passavam essas informações a profissionais de pesquisa, em geral antropólogos e sociólogos que ao mapearem e analisarem tais dados com base em teorias científicas capazes de elucidar o sentido e curso de tais comportamentos conseguiam antever quais tendências de consumo viriam pela frente e como evoluiriam. Contudo, a maioria dos coolhunters agora são pessoas que se metem a observar sem nenhum critério comportamentos e modas e gerar análises sem nenhum conteúdo relevante ou meramente sério, pois de conhecimento científico nada têm, e instrumentalização para o mapeamento etnográfico ou macrosociológico dos grupos e indivíduos que geram e disseminam tendências, tem menos ainda.
Mas, engodos à parte, fato é que a juventude como criadora e disseminadora de tendências de consumo tem hoje seu lugar entre as pesquisas desenvolvidas pelas mais sérias empresas de bens de consumo, que empregam métodos como a etnografia para mapear estilos de vida e prospectar novas ondas de comportamento de consumo.
Em nossa experiência, trabalhamos com antropologia da juventude há 15 anos, desenvolvendo, inicialmente, pesquisas científicas voltadas ao universo acadêmico, onde começamos a perceber o consumo como o elo e a materialização do universo simbólico juvenil, estudos estes que se converteram em uma dissertação de mestrado e dois livros: Cenários do Rock: Mercado, Produção e Tendências. Ed. Olho D´agua, 2004. e Admirável Mundo MTV Brasil. Ed. Saraiva 2005. Percebemos também que o que consideramos juventude converteu-se numa categoria de pesquisa cada vez mais indefinida, a mencionada juventude eXtrema de Canevacci que, para além da definição etária, se expande cada vez mais na definição conceitual, pois muitos comportamentos, lugares e usos outrora "ditos" juvenis, são hoje compartilhados por adultos bem acima de 30 anos. Portanto, a velha determinante 18 - 24 anos não pode ser hoje tomada como como uma definição correta, é onde abém etram os estudos socioantropológicos para categorizar a diferentes concepções de comportamet e consumo juvenil em diversos territórios geográficos e culturais. Pensemos que nas pequenas cidades do interior do Sudeste, com menos de 30.000 habitantes, colonizadas por italianos, ou em cidades da região norte e interior do
Nordeste do País vemos ainda grande parte dos jovens com menos de 24 anos já casados e com filhos, tendo assumido responsabilidades tão cedo quanto seus predecessoes, vivenciando, com essaidade, a vida adulta da responsabilidades e maturidade. Já nas grandes metrópoles com São Paulo, vemos cada vez mais jovens com mais de 30 anos vivendo ainda o universo adolescente, vivendo com os pais e sem muitas perspectivas para assumir compromissos ou responsabilidades. Assim, para se pesquisar "o jovem" nos dias atuais, é necessário, antes de tudo, um mapeamento etnológico capaz de compreender as cracterísticas e diferenças de diferentes grupos culturalmente incompatíveis em muitos aspectos e que se encontram no interior deste grande guarda-chuva denomina juventude.


[1] Ver. Rock dos anos 90, do underground ao grunge.
[2] como diz MAFFESOLLI (1987), que escreveu O Tempo das Tribos, uma obra também dedicada aos estudos sobre tribos urbanas
[3] idem